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terça-feira, 26 de outubro de 2010

Lua (s)e(m) Estrela

"Eu parecia uma lua perdida - meu planeta destruído em algum cenário desolado de cinema-catástrofe - que continuava, apesar de tudo, a rolar numa órbita muito estreita pelo espaço vazio que ficou, ignorando as leis da gravidade."

Caterina queria brilhar naquela noite. Mostrar a Beralto o quão esquecido ele havia sido. Mas heis o primeiro problema: ela queria mostrar uma grande e completa mentira. Ela sabia porque estava ali, e ao contrário do que tentava demonstrar (que queria reviver os velhos tempos, rever amigos e antigos mestres), era por ele que ela estava ali. Muito mais do que pisá-lo, ela queria vê-lo, e contemplar em seus olhos a alegria que aquela noite propunha.
Humildade não era o forte de Beralto. Ele tinha o ego inflado aos montes, ainda mais quando se tratava de Caterina. A moça o amava muito, e por mais que demonstrasse seu amor apenas em olhares vagos e silenciosos, ele se envaidecia. Ultimamente, julgava ter o direito de brincar com a vida dela. E o fazia sempre que se encontravam: a humilhava e ridicularizava de todas as formas que podia. Mas o amor que ela nutria por ele era maior do que qualquer explicação racional que pudesse ser dada, e antes mesmo de os erros do rapaz lhe golpearem no mais íntimo de sua alma, ela os perdoava, um a um. Por mais ferida que se encontrasse, sempre terminava por oferecer a outra face, e deixar que ele lhe magoasse sempre um pouco mais.
Os ponteiros do relógio não tinham por ela compaixão, e faziam sua rota vagarosamente. Quisera ver o sol chegar, trazendo com ele a certeza de que a noite tortuosa havia encontrado seu fim. Enquanto isso, seus amigos lhe cobravam sorrisos: "Você não pode conceder a ele o espetáculo da sua dor!". Ela sabia que eles estavam certos. Mas se dava por satisfeita em cumprir a dura missão de não chorar, e não se deixar contorcer de dor, ali mesmo. - "Se tivesse uma faca cravada no peito, não estaria doendo tanto." - Ela pensava, num esforço sobre-humano de não deixar que as lágrimas lhe afagassem o rosto.
Ele esteve nos braços de outra, e permanecerá nos braços dela por longo tempo, e será feliz. Isso a matava. Mas para quem já havia morrido o que ela morreu por ele, não era nada. Era só um latejar mais forte, numa dor contínua. Agora estava frio, e a chuva que tempestivamente se derramava lá fora era as lágrimas que ela se recusara a chorar na noite anterior. Choraria o dobro disso na noite seguinte. Aquela dor se intensificaria ainda mais. Mas Caterina tentava prosseguir, com um passo de cada vez. Hoje estava melhor que ontem, pior que amanhã. E assim tentava se refazer. Quando o choro cessar em seus olhos, ela há de voltá-los ao céu. Porque quem disse, que em algum lugar lá em cima, não existem outras imensas, várias, brilhantes e belas estrelas, para fazer companhia a uma intensa, nobre e pura lua solitária?

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Inconstestável fim

Estava escrito, selado
Irreversivelmente estampado
Não só em folha, papel
Mas minha história (e do amado)
Estava escrita lá no céu

Não como promessa divina
De que tudo fosse mesmo acontecer
Mas como a vida que ensina
O que não se pode esquecer

Lembrar, lembrar, lembrar
Infeliz condenação!
Não me permito mais chorar
Mas tê-lo em mente, me aperta o coração

Antes fosse ele hoje
Como costumou ter sido
E agora não mais vejo
Seu colo como meu abrigo

Me desdenha, pisa e humilha
E tola, eu caio na armadilha
Me permito voltar a sofrer.
Já chega, fico por aqui
Incontestável, chega o fim
Fim das lágrimas, esperanças e tudo
Por favor, tente ficar mudo
Nossa história já foi, passou
Mesmo tendo eu tanto te amado
Já que não te vi ao meu lado
Sinto muito. Acabou.

domingo, 10 de outubro de 2010

Posteridade


Ela estava convencida do quão imensa é a fragilidade da vida. Ela veio sendo convencida disso dia após dia, depois da grande perda.
Sempre que tomava conhecimento de alguém que se ia, era como reviver a própria dor, diante da partida daquela que lhe havia deixado. Temporariamente, de acordo com suas crenças. Contra vontade, comprovadamente. Mas ela lhe havia deixado. E como era difícil a separação!
Mas um dia, ela também haveria de ir. Partir pra outra vida. Reencontros, sim! Mas como ela fora hoje deixada pra trás, também deixaria alguém para trás quando partisse. A visão de quem fica, ela já tinha: dor. E quem parte, sente o mesmo?
Enquanto se via imersa pelos "ses" e suas possibilidades, num outro ângulo de seu pensamento-turbilhão os questionamentos eram outros. A vida era frágil, ponto. Num (imprevisível) dia, ela não mais estaria aqui. Mas enquanto ainda estiver quer permitir-se, desfrutar do que lhe for (ou não?) permitido. Nada descomedido ou imprudente, aproveitamentos desprovidos de maldade, que lhe rendessem bons risos e histórias a contar. Mas queria um grande feito, ao menos um. Mesmo que não fosse grandioso para todos, mas que deixasse algo registrado para alguém. "Para a posteridade, o que deixar?", ela se perguntava.
E em meio aos tortuosos pensamentos torturantes, ela descobriu que não tinha medo da morte. Sempre pensou que tinha, mas na realidade não era o verbo morrer que lhe assustava. O verbo do medo era esquecer. Temia ser esquecida, varrida das lembranças alheias como poeira indesejável na varanda. O que fazer para não permitir-se ser esquecida, para ser lembrada até depois do que a mente humana permitir? E para a postaridade, o que deixar?