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domingo, 20 de fevereiro de 2011

Toque da alma


O que ela mais queria, era que outro lhe tocasse a alma. Lhe tocasse de uma forma com que ela pudesse esquecer o mal que lhe haviam feito. Suas feridas tinham cura, ela sabia. Mas quem seria capaz de ser seu médico, curandeiro, ou o que fosse... Quem a suturaria?
E aquela foi a primeira noite em que sonhara com ele: aquele que era seu fio de esperança de apaixonar-se por alguém que não lhe despedaçasse o coração. No sonho eram enfim, próximos, felizes. Quase apaixonados. Faltava bem pouco para ser a história e não mais uma. Ela estava cansada demais de não ser correspondida e só o que poderia mudar sua visão sobre o amor seria a história, que marcaria sua vida para sempre. Não poderia ser só mais uma: se assim fosse, seria fatal. Ela morreria de exaustão e desistiria de amar de uma vez por todas!
A mulher que ela se tornara conservava a fé da menina que um dia fora... Suplicava ao seu coração para se apaixonar. Precisava muito disso. O coração, à moda antiga e moleque como era, lhe pregava a peça de não ceder e mantê-la mergulhada no sofrido amor de outrora.

Mas ela não ia desistir. Precisava de uma nova história... Que fosse única, por lher tocar a alma. Que lhe tocasse a alma, por ser única. Deus, que alguém a toque. Que ele a toque antes que seja tarde demais para ela.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

A metáfora do breu


Naquela noite eu vi uma metáfora. Ela se apresentou à mim em sua forma literal, e demorei algumas horas para entender seu real propósito.
A madrugada começava a se espalhar pelas ruas, e estávamos envolvidos por todo conforto, comodidade e tecnologia oferecidos pela vida urbana. Até que de um segundo ao outro, num simples piscar de olhos, tudo era escuridão. Um breve olhar pela janela do quarto já me mostrava que o escuro se estendia por boa parte do meu bairro, e alguns telefonemas depois, me dei conta de que minha cidade inteira estava apagada. Usando um único fio de tecnologia que ainda estava disponível às minhas mãos, soube que o escuro havia alcançado lugares ainda mais distantes. Eu não estava sozinha: outras milhares de pessoas, em outros tantos lugares, dividiam comigo aquele vácuo escuro.
As horas se arrastavam preguiçosamente e a iminência do tédio era real e óbvia. Mergulhada no breu, eu só tinha a opção de olhar em volta: olhar em volta, e nada ver. Quando tudo à minha volta fazia-se nada, pela falta de luz, certos pontos luminosos acima de minha cabeça mereceram minha atenção. Ah, as estrelas... Algumas já eram velhas conhecidas de meus olhos, outras (tão várias!) brilhavam como que dizendo "muito prazer". O céu parecia em festa com tanto brilho, e eu me perguntava qual seria o motivo de tamanhas beleza e celebração. Foi então que percebi que a presença de tantas bolas de ar quente juntas não era algo excepcional: elas sempre estiveram ali. Raro e talvez inédito, era que pudessem ser vistas daquela forma.
Pois bem, este foi o exemplo mais metaforicamente literal que pude ter, acerca dos mistérios da vida. Era preciso que estivesse tudo tão escuro para que aqueles brilhinhos sublimes se mostrassem. As estrelas sempre estão nos seus devidos lugares, mas são ofuscadas pelas luzes da cidade. Uma aqui, outra acolá, ainda se mostram timidamente aos nossos olhos incandeados pela urbanização. As mais teimosas são as que vemos normalmente, são as que fazem força para serem vistas. Mas sem querer desmerecer-lhes o esforço, muitas vezes elas não são o bastante para darmos sorrisos ao céu. Contemplar um céu estrelado em demasia nos dá prazer, satisfação e felicidade em escalas muito maiores. Mas para isso é preciso que todas as outras luzes se apaguem.
E muitas vezes é assim que acontece conosco. Escuridão é sinônimo de desespero. Quando nos vemos assim, sem nada ver, nossa vulnerabilidade causa espanto e medo. É natural... Fala-se muito que dor é inevitável e sofrer é uma opção: fato. Quando tudo se tornar nada e sua única certeza for a falta de luz, olhe para o alto e veja os vários pontinhos luminosos lhe sorrindo. Na vida às vezes é preciso que se apaguem as luzes sintéticas (que julgamos tão importantes, imagine!), para que possamos contemplar a verdadeira constelação que existe em nós, normalmente ofuscada pelas pseudo-luzes que insistimos em carregar ao nosso lado por aí. Pense bem.