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domingo, 30 de dezembro de 2012

Sede


Quando a tarde começou a dar os primeiros sinais de que queria se despedir, ela se entregou. Enquanto o sol se deixava repousar timidamente por sobre a linha do horizonte, da mesma forma doce - e quase tímida - ela permitia que ele a deitasse por sobre seus lençóis e travesseiros, e se reclinasse sobre ela. Fizeram amor. Uma, duas, três vezes... Enquanto explodiam em brilho as primeiras estrelas no céu. Entre beijos, sussurros, suspiros e mãos entrelaçadas, o sentimento que ela tanto negava estava encontrando sua consumação. 
Era a vida começando. Como se até então ela estivesse insuspeitadamente numa realidade paralela e só tivesse realmente nascido depois daquela conexão tão intensa com ele. Junção de corpos e almas. Energias trocadas. Exaustão, por fim. Ela repousava de olhos fechados, com a cabeça sobre o peito dele, lhe ouvindo o coração acelerado, como um tambor que anunciava a chegada dos tempos de felicidade. As mãos dele - que perto do corpo franzino dela, pareciam ainda maiores - passeavam carinhosamente pelas suas costas nuas.
O brilho prateado da lua invadia o quarto, pela fresta entre as cortinas brancas de pano leve, quando ela enfim despertou. Estava vestida com uma camisa dele. Procurou-o na cama com as mãos, encontrou apenas um bilhete: "Fui encontrar com os outros, antes que dessem por nossa falta. O que aconteceu aqui foi especial para mim. Espero que para você também. Nos vemos no jantar". Num suspiro, fechou os olhos e lembrou em flashes de tudo que havia acontecido. Sorriu sozinha: tinha sido especial para ela também. Ainda podia sentir a pele das costas dele sob suas unhas. Foi uma gloriosa primeira vez. Nem bem havia se desvencilhado dele, e já sentia falta do seu corpo junto ao dela. Tomou um banho, desceu para o jantar.
Encontrou com o restante do grupo. Ele já estava com eles. Se cumprimentaram como se não tivessem passado a tarde inteira juntos. Comportamento acima de qualquer suspeita. Mas se olhavam de um jeito diferente, que só eles sabiam. Ele a olhava com uma propriedade misteriosa de quem conhecia cada centímetro de seu corpo. E agora conhecia mesmo. Ele a olhava como se ela fosse sua mulher. E ela era. Independente de status, convenções e oficializações, tinha sido nos braços dele que, naquele mesmo dia, ela tinha se transformado numa mulher.
Na cabeça dela, uma leve confusão se estabelecia momentaneamente. Aquilo tudo deveria soar errado, pagão. Mas ela não se sentia suja. Era só leveza o que havia. Olhava nos olhos dele, fitava o sorriso perfeito que ele tinha, e entrava num êxtase interior. Lembrava do tamanho da felicidade que sentiu quando os dois corpos se uniam, nus, sem pensar duas vezes. Sem pensar em nada que pudesse estragar aquele momento. Porque tinha que acontecer, não dava para evitar. De uma maneira ou de outra, eles iam acabar se entregando. O magnetismo existente entre eles nasceu para ser o próprio motivo de força maior, vencendo todos os medos e vontades adversas que pudessem surgir. Porque é amor. Agora ela podia admitir para si mesma aquilo que passou tanto tempo negando. Era apaixonada por ele. E ele despertava nela o que ela possuía de melhor e pior: era ela mesma, sem máscaras, sem freios morais ou hipócritas. Ela era mais ela, em essência, quando saciava a sede que tinha dele.

domingo, 9 de dezembro de 2012

Começou. É o fim.


Agora eu sei que não sei disfarçar. Eu sei que meu rosto me trai, demonstrando uma parte do que acontece dentro de mim quando ele divide comigo o mesmo cenário. Eu soube e, acredite, até achei alguma graça nisso. Afinal de contas, tenho certeza absoluta de que se trata apenas de um magnetismo físico que logo, logo vai passar, não é mesmo?
Não, não é mesmo. Estou ferrada e me matando por dentro poque eu já não sei mais o que isso é. As coisas estão fugindo do meu controle e com ele por perto, meu corpo ganha uma leveza tamanha que se eu desse um impulso com os pés, talvez fosse capaz de chegar ao céu. Meu peito se alarga. O ar entra em maior volume nos meus pulmões. Minha existência se alarga. Meus caminhos se alargam. Minha vida se alarga. Meu sorriso se alarga, enfim. Se alarga e me denuncia. E faz isso com a cumplicidade dos meu olhos,  que me entregam. Ou melhor, que entregam o meu desejo de me entregar a ele numa bandeja.
Ao cair daquela tarde eu era só uma menina cansada, repousando a cabeça sobre o braço da poltrona. Foi só ele chegar que o calor se instaurou, me confundiu, tomou conta de mim de tal forma que ao final da noite eu era uma vadia sussurrando o nome dele para as pedras da calçada e para as luzes de natal, querendo-o com uma urgência inflamada, que arde ainda mais por saber-se impossibilitada de ser atendida. Eis a confusão que ele me causa. E ele sabe disso.
Tanto sabe, que anda em minha direção, me olha nos olhos como que querendo mesmo me enlouquecer. Tem conseguido. Minha sanidade se está esvaindo. Se eu ainda tivesse a segurança de se tratar apenas de um querer, estaria tudo bem. Por maior que o desejo fosse, quereres não se sustentam sozinhos e uma hora têm de partir. Mas as coisas estão ficando bonitas e essa beleza me assusta.
Não é mais um desejo sujo, despido de pudores. É um desejo que, apesar de latente, está vestido... De alguma ternura vinda não sei de onde. Ele, que antes se hospedava nos meus sonhos de formas unicamente quentes, parece ter se mudado de vez pra eles também de uma forma terna. Não são mais só os corpos se encontrando e sendo um, são as vidas que cansadas de andarem como linhas paralelas, burlam as regras da geometria e se cruzam, se entrelaçam e seguem como sendo uma coisa só. Em sonho, eu tenho visto um futuro promissor se firmando a partir dessa bagunça de presente. 
Tenho medo e não consigo parar de escrever porque a escrita foi a forma que encontrei de colocar essa confusão pra fora. Tenho medo de falar a respeito. Tenho medo de oralizar os meus fantasmas que podem ou não ser camaradas. Tenho medo de pronunciar o nome dele ao vento, sozinha, e ser atendida pelo universo. Não tenho costume de sonhar coisas que se tornem reais. E apesar de todas as racionalidades, eu o tenho sentido tão intuitivamente meu... Um sentimento acima de qualquer palavra. As rédeas estão escorregando entre meus dedos. Não tenho mais controle sobre mim. É esse o meu final? Ou começo.

sábado, 8 de dezembro de 2012

Sentimento de cor, sem nome


Penso que ele reconhece a repulsa nos meus olhos. Acho que ele percebe o quanto a curva da minha sobrancelha fica irregular quando a imagem dele encosta na minha íris. E o pior é que ele, pescador das coisas que navegam nos mares invisíveis do vento, certamente sabe o que se esconde por trás da minha aversão relutante, aguda. Uma paixão latente, um desejo pulsante. Uma coisa que faz ferver cada milímetro de sangue em mim, que corrói centímetro por centímetro de minhas veias.
É que eu preciso me irritar. Eu preciso enrijecer para sobreviver a isso. Preciso buscar firmeza onde não tem, para não me desfazer diante dos seus olhos. Para não amolecer, escorregar pela vida e me serpentear por entre os braços dele. Eu preciso nutrir a raiva para me manter de pé e não morrer de amor. Porque dada a intensidade das coisas que acontecem dentro de mim quando ele está por perto, se isso tudo se transformar em amor, não sei se eu resisto. 
É tudo muito exacerbado. É tudo extremamente arrebatador. Meu subconsciente - digo "sub" por se tratar de uma ação involuntária - maquia com a raiva esse sentimento que eu nem mesmo sei se já foi sentido por outro ser humano. Só um ódio suficientemente fosco para tentar esconder (será que consegue?) esse sentimento de um vermelho fluorescente, que sequer carrega um nome.


quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Safra


Às vezes penso que não importa o quanto tempo passe, mas daqui para antes de morrer, eu preciso ser dele. Eu preciso provar um punhado da humanidade dele. Eu preciso absorvê-lo. Sorvê-lo como se ele fosse um bom vinho guardado a sete chaves na minha adega. Preciosidade da safra de 1976, bebida que eu só precise provar uma única vez, para nunca secar a garrafa. É como se me faltasse apenas beber uma taça cheia dele, até a borda, para que a vida realmente comece. 
Mas não quero tê-lo, não. Acho até que se isso fosse uma possibilidade real, as coisas todas perderiam a graça. Eu só preciso que ele me tenha. Que consuma até a última gota do meu ser e depois me jogue para o lado, completamente sem ar. E então me faça meia-hora de cafuné, me beije a testa e vá embora. Que me deixe, mas me deixe mulher.
É como se eu precisasse que ele entrasse em mim para que coisas maravilhosas de verdade comecem a vir para minha história. É como se eu soubesse que, um dia, isso vai acontecer. E então, não vai importar nada daquilo que eu nunca fiz, porque é como se eu conhecesse o corpo dele. E nada do que eu não sei fazer vai atrapalhar, porque com ele, não me pergunte o porquê, eu simplesmente vou saber o quê e como fazer. É como se a pele dele, nos mínimos atritos que já teve com a minha, me dissesse isso. 
E essas sensações todas atravessadas soam como um grande erro, um grande pecado, mas que não me dá culpa. Pai, afasta de mim esse cálice, mas me deixa degustar desse vinho tinto de sangue primeiro.


segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Dane-se a farpa


E aí eu me lembro da existência dela na sua vida e me dá uma angústia danada. Não é culpa por te querer desse jeito, mesmo sabendo que você já é dela - e creia, a ausência de culpa, neste caso, não é nada louvável -, é só agonia diante dessa impossibilidade evidenciada. 
Porque eu querer você já é fato, não dá pra voltar atrás. E eu deveria me sentir tão mal por isso. Eu até queria me sentir culpada, por desencargo de consciência. Mas a culpa não vem. E não sei se virá. Porque eu te quero mesmo. Com toda a malícia que eu nem sabia que tinha, com todo meu pecado. Te quero com um desespero inédito, uma sede urgente, um calor inesfriável. Eu te quero dentro do meu corpo com toda a força das batidas que me dão o ritmo. Eu quero estar grudada em você, alma na alma, com a mesma leveza das notas musicais que me dão o norte. Eu quero violência e mansidão, tudo ao mesmo tempo. Eu quero você.
E que se dane essa angústia que me dá no peito quando lembro que ela te tem, e eu não. Que se dane ela também. Porque o fato de ela ter você não é capaz de frear esse meu querer gigante, que ao invés de se saciar, aumentaria, caso algum dia eu lhe tivesse. 
Ela e tantas outras podem te ter pela vida afora. Mas se juntar o querer de todas elas, nem assim vai haver no mundo vontade maior do que o desejo com o qual eu te quero. Então, que se dane mesmo e fim. Mesmo que seja um fim sem começo.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Cena repetida


Eu me recuso a virar uma idiota de novo. Foi tempo demais até aqui, exercitando minha vida sentimental saudável, pra vir um cara como você e estragar tudo agora. Não. Nada de passarinho verde, nem azul, nem rosa. O mundo é uma farsa e o amor não é pra mim. Eu aprendi minha lição. Doeu demais e eu não quero aquilo tudo de novo. Sou outra. Me fiz outra e você não vai fazer com que eu me perca.
Mas aí hoje você passou naquela mesma hora, por aquele mesmo lugar. E eu mais uma vez, por acaso, estava lá pra lhe ver. Não com esse objetivo, mas já que vi... Bom. Você estava tão bonito. Desfrutei de sua imagem. Tenho desfrutado. Todos os dias dessa minha bosta de vida. Nos meus dias cheios, repletos, lotados de um monte de nada que signifique realmente alguma coisa, você me preenche espaços. E quando esses espaços estão cheios de chateações, preocupações e coisas feias você vem com esse jeito imponente e toma todas as minhas brechas para si do mesmo jeito. Um intruso que termina se tornando bem-vindo. Um estorvo desejado.
Você é a bagunça que a chatice da minha vida precisa. Minha confusão personificada. Pensar no seu toque me arrepia até o último fio de cabelo da cabeça. Você me rouba o chão sempre e eu, inconscientemente, agradeço pela adrenalina da queda livre. Minha tragédia anunciada, crime que eu quero tanto cometer. Vem, enlouquece minha sanidade, mostra que a chama pode queimar a gente de um jeito bom.
Mesmo quando eu não te vejo, eu falo em você. E mesmo que eu não fale, eu penso. O tempo inteiro. A cada tic-tac cansado do meu relógio. A cada punhado de ar que me adentra os pulmões, é você adentrando em minha história. Eu sonho com você, eu sorrio sozinha, eu suspiro, eu canto, eu fujo do mundo pra poder ficar sozinha com você na minha cabeça. E quando você passa, fica tudo em câmera lenta e passando depressa ao mesmo tempo. Minha vontade era de que você passasse e voltasse. Passasse de novo. Tornasse a passar. E sempre mais uma vez. Freneticamente. Repetidamente. Passando por mim. Até chegar numa hora e passar outra vez, mas me levar junto. Pra onde você quiser. Pro céu. Pro inferno. Pra sua casa, sua cama, sua vida. Pra canto nenhum. Mas que passasse e me juntasse a você. Tomasse posse de mim. Me pegasse pra você e fizesse comigo e de mim qualquer coisa que lhe desse na telha. Fincasse uma bandeira que me proclamasse território seu. Todo seu. Até o meu último fio de cabelo da cabeça, que você arrepia sempre sem nem me tocar, sem nem saber. Eu queria ser um terreno escriturado no seu nome.
Eu ando feito uma retardada me pendurando numa janela pra procurar algum vestígio seu por aquele pátio. E mesmo se não encontro, continuo na janela pra ver como o céu é mais bonito quando você está na minha cabeça. E você está nela sempre. 24 horas por dia nos últimos tempos. Esteja eu dormindo ou acordada. 
Céus. Olha bem pra minha cara. Eu já virei uma idiota. De novo. 


domingo, 12 de agosto de 2012

Controverso


Eu nunca lhe dei nenhum crédito. Nunca fiz bom juízo de você. Desde a primeira vez que lhe vi, guardei na cabeça a certeza de que você era do tipo canalha. E ainda não mudei de ideia. Não acredito que você seja lá um cara que preste. Minhas opiniões racionais sobre você não mudaram em nada no último ano e meio. Mas já não posso dizer o mesmo das reações corporais que a sua presença provoca em mim.
No começo eu pensava que era só uma atração física passageira, coisa de menina que nunca teve malícia suficiente para se apaixonar por um professor nos tempos de escola, e deu de sentir tardiamente palpitações por um cara mais velho, só pra cumprir tabela. Só que até agora essa coisa não passou. Desacelerou por alguns momentos, quase adormeceu, mas não se foi de fato. Sempre quando a chama está quase se esvaindo, você vem e risca um novo fósforo.
Mais intrigante que sua distância constante e sua incorrigível formalidade, sua aproximação brusca me causou espanto. Mas lhe ter assim, mais perto, foi um susto maravilhoso de se levar. Seus sorrisos, voz e olhares por algumas horas preencheram todos os meus vazios, como que alimentando minha existência, me sustentando numa outra dimensão, num plano leve de felicidade gratuita, onde há muito eu não me inseria. 
O que eu não quero é que tenha começado tudo de novo. O que eu não aceito é que essa seja mais uma das minhas histórias fracassadas. Talvez eu até passasse o resto dos meus dias ao seu lado, se assim você quisesse. E esse desejo idiota desmascara minha total ruína: apaixonar-se por um canalha é tragédia anunciada. Mas não seria o próprio amor um sofrimento iminente, ainda que correto? Talvez esse sentimento torto seja o avesso do avesso que eu precise, a carta que completa meu jogo. O começo real da vida.
Desconfiei que eu poderia estar sentindo mais do que realmente supunha - e infinitamente mais do que admito - sob a penumbra que se estendia lentamente (como um véu) sobre o tempo. Sob aquela escuridão, pude ver com maior clareza. Éramos nós fatigados, lado a lado, e eu com minha cabeça repousando quase que sobre o seu ombro esquerdo. Eu suspirava tão forte, que meu peito se alargava e eu encontrava mais espaço dentro de mim mesma para poder descansar de minhas próprias mazelas. É que você alarga o meu ser e deixa os problemas da minha vida parecendo pequenas imperfeições num ambiente onde a paz é predominante. Você é minha paz de espírito, curiosamente. E foi ali que eu descobri que aquele desejo voraz de juntar seu corpo com o meu também é doce. E naquele instante, te querer desse jeito que eu quero até deixou de parecer pecado, porque, pelo menos aos meus olhos, isso tudo ganhou uma beleza imensurável, coisa diferente de tudo o que antes eu nutri por outros seres humanos.
No fim das contas eu sou só uma menina tristemente desafortunada, vendo em você alguém que possa fazer de mim uma mulher feliz e cheia de sorte. Se fôssemos um, você mesmo seria a minha sorte encarnada. Por isso que o que eu mais quero é estar cheia de você na minha vida, em todos os cantos para onde eu me virar, em todas as frestas, em todos os meus becos e espaços escondidos, onde a tristeza normalmente se instala. Que saia tudo e que só você possa me consumir. Centímetro por centímetro. Exterior e interiormente. Na alma e no corpo.
Queria que você soubesse da convicção que tenho sobre sua canalhice, se sentisse ofendido e quisesse limpar sua honra, provar que pode ser homem de uma mulher só. Eu me candidataria à vaga de cobaia, toparia o desafio. Tentaria, mesmo sem acreditar que seja possível um futuro longo pra nós dois. Bastaria me puxar pela mão, que com você eu iria até o inferno, até os confins da Terra. Ainda que eu não faça bom juízo de você. Ainda que eu não lhe dê nenhum crédito. Porque com os caras certos tudo costuma sair errado. Quem sabe se com o errado as coisas não dão mais certo...


domingo, 5 de agosto de 2012

Utopia


Aérea. Sorrindo com nada, brincando com o vento, cantando pro sol, suspirando pra lua. Fazendo canção e rima e poesia. Tendo momentos de acreditar que a vida nem é tão ruim assim. Vislumbrando um futuro doce, não conseguindo não pensar e enrubescendo quando pensa. Sentindo a pele queimando, o coração gelando e as mãos e pernas criando vida própria. Sonhando - acordada ou dormindo - que já é chegada a hora da menina triste ser uma mulher feliz. Vendo lá no fim da estrada um moço se aproximando, montado num cavalo branco. E tudo porque a utopia adormece, mas nunca a deixa. 

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Mais leve que o ar


Sair de casa naquela tarde não foi lá uma coisa simples. Eu ia ver o mundo lá fora pela primeira vez, depois que foi determinado que sentimentos em mim deveriam ser modificados. Respirei fundo e passei pelo portão do meu prédio. Ainda na calçada de casa eu percebi que os ares estavam diferentes. Mas mesmo assim fui. Não por coragem, mas por falta de opção.
Eu ainda nem tinha atravessado a primeira rua quando um carro igual ao seu me passou pela vista. Murmurei. O pior é que carros como o seu são comuns pelas avenidas da cidade. E eu não consigo misturá-los aos demais modelos de automóveis. Até eu chegar ao meu destino, muitos carros daquele passaram por mim. Quis explodir cada um deles, simplesmente por não conseguir misturá-los às intermináveis filas de carros naquele trânsito congestionado. Fora isso, tinham também as sensações mais implícitas. O perfume, por exemplo. A cada cheiro que eu sentia e que pudesse me lembrar o seu cheiro, eu fechava os olhos e desejava que minhas narinas queimassem, se preciso fosse, para que eu pudesse mantê-lo longe de minha mente. E de quebra, todos ao meu redor pareciam saber... É como se as pessoas me olhassem com um ar de piedade, tendo o conhecimento de que mais uma vez eu estava sendo amorosamente desafortunada.
No ponto de ônibus, a calçada estava sendo lavada. Eu quis, por um momento, ser como aquele concreto que era rudemente acariciado por um forte jato d'água, que fazia escoar até a galeria mais próxima a sujeira impregnada no cimento. Eu queria escoar você, queria me livrar. Mas me faltava água, ou me faltava força. Eu não estava depressiva, nem nada. Mas estava estranha. Como eu disse, os ares tinham mudado.
Cheguei ao meu destino. O carro estava parado lá. Sinal de que você também estava ali. Me esforcei para não fitar o automóvel, como se olhá-lo significasse olhar diretamente para você. E era mesmo isso que acontecia, porque aquele bendito veículo fazia meu coração palpitar. E faz... Mesmo hoje, mesmo eu passando com o rosto virado para o outro lado do estacionamento.
Por sorte, não lhe vi. Mas imagino que embora minha cabeça saiba que a improbabilidade de haver algo entre nós se transformou em impossibilidade definitiva, as sensações que você me desperta ainda não mudaram. A razão sabe, mas é como se o corpo e a alma brigassem com ela, insistissem nos quereres. Já era confuso, agora é mais. 
Não sei dar um nome a esse novo conjunto de ideias e coisas que me batem quando o assunto é você. Aparentemente, eu não me importo. Não faz diferença que você tenha alguém, porque isso parece não me deixar tão triste. Já era improvável, agora é impossível... A mudança na condição não é tão drástica. A minha maior dúvida é: se eu realmente não me importo, por que não consigo simplesmente misturá-lo aos outros? Por que tenho sonhado (dormindo) ainda mais do que antes? Não sei. E dizem que "não saber o que se sente não é o mesmo de não sentir". Ótimo. Muito esclarecedor. A impressão que tenho no fim das contas é que quando se é jovem, como eu sou, e um homem de verdade passa pela sua vida (ainda que passe só com os olhos, como você) os garotos com os quais se está acostumada a lidar perdem a graça, e desta forma, nada, absolutamente nada, será como antes quando se trata de sua afetividade.
No meu caminho de volta começou a chover. Quando desci do ônibus, a chuva engrossou. Eu não queria muita coisa além de ficar andando sob a chuva, ouvindo aquela música que ecoava na minha mente... Queria caminhar sobre o concreto molhado (que me lembrava a calçada lavada da ida) até que você escorresse para fora da minha existência. Eu ficaria ali, andando, pensando, gastando sua imagem na minha cabeça e não passaria de volta pelo portão do meu prédio até você ter ido embora de vez. Mas aí fiquei com medo de nunca mais voltar pra casa. Entrei.

sábado, 16 de junho de 2012

Confissão


Helena,
Sua última carta me deixou bastante feliz. Acompanhei a história desde o início, desde quando nem se podia dizer que tratava-se de uma história. Vi esse sentimento brotar e tomar forma dentro de você. Me sinto alegre ao vê-la tomando posse disto, assumindo o que sente, "sem nojo nem medo". E não precisa me agradecer. Fiz o que tinha de ser feito... Deus se encarregou do resto. Estou ansiosa para saber do desenrolar de seus próximos capítulos, já que minha própria história teve de ser interrompida em plena pré-produção. O fim da linha veio antes mesmo do começo. Melhor assim, não? É mais fácil deixar antes do apego estar completamente instalado. O difícil mesmo vai ser atravessar os dias conturbados pelos quais tenho passado, sem poder contar com minha distração, minha garantia de sorrisos e suspiros gratuitos, que por alguns momentos fazia a carga em minhas costas parecer mais leve.
A carta caiu para fora do baralho. Eu sempre soube que se tratava de um naipe que não completaria meu jogo, ou sempre fingi saber. O que eu queria mesmo era que ela tivesse se convertido numa carta coringa preenchedora de vazios, capaz de me conceder a vitória em uma única partida que fosse, só para variar. Mas nem sempre o que a gente quer é o que a gente pode. Eu por exemplo, sou mestra em querer o que as mãos não alcançam.
Confesso que me surpreendi com minha própria reação. Eu que sempre jurei estar numa posição segura, me  soube vulnerável e envolvida quando doeu. E não deveria ter sido assim. Chorei. Não sei se pelo fato em si, ou pela bagunça que tem sido feita na minha vida, de modo geral... Só sei que chorei e me assustei por ter chorado. A notícia de que ele agora tem um compromisso assumido me veio justo no final de um dia ruim, onde muita coisa já não tinha dado certo. Isso pode ter contribuído. Ou eu posso estar falando isso para mais uma vez botar panos quentes e tornar as coisas menores e menos importantes do que realmente são. Mas nem importa mais... Sendo grande ou pequeno vai passar. Passei por uma experiência amorosa realmente traumática e hoje em dia, a tragédia tem que ser legitimamente grega para me lançar ao chão. Tanto, que desde de Beralto eu não chorava por causa de alguém... Foi a primeira vez. Isso me dá uma sensação de dejávù terrível, como se meu amor antigo tivesse me voltado justo em uma de suas faces cruéis.  Não digo a mais cruel, porque não acredito que haja algo que se compare. Enfim, bobagem da minha cabeça.
Mas está tudo bem. Lembra que eu lhe disse que uma boa noite de sono resolveria? Bem, não resolveu porque não houve muito sono. Foi uma noite conturbada. Despertei diversas vezes, como que procurando alguma parte que me faltava. O vazio no meu peito nunca deixou de existir, mesmo quando eu me permitia pensar naquele moço. Mas agora esse vácuo me parece um pouquinho maior. Deve fazer parte. Meu plano da vez é procurar alguma outra coisa que me distraia, não necessariamente um cara. Eu já estava mesmo precisando de algo que me roubasse a tensão desses últimos dias, agora preciso em dobro. Necessito de leveza, e preciso trabalhar minha mente não para esquecê-lo, mas para deixar de olhá-lo e desejá-lo como tenho feito. Preciso misturá-lo aos outros e deixar de destacá-lo na multidão. Sei que vou conseguir em algum momento. Sei que vai ficar tudo bem. De um jeito ou de outro, sempre fica. A classificação indicativa do filme não era favorável para mim. Sem traumas. Mas não quero saber de cinema por enquanto.
Com amor,
Caterina. 

P.S.: Sim, enfim, também confesso: estou apaixonada. Do verbo não estarei mais.


sexta-feira, 15 de junho de 2012

Aquilo que é muito grande para ser dito

Hoje o que eu preciso mesmo é lhe falar das coisas boas e reais que você me trouxe. Precisei lhe escrever, para tentar fazê-lo perceber o quanto sua presença em mim se fez preciosa e necessária. Quero que você tome conhecimento, do meu próprio punho, já que as coisas parecem tão grandiosas para serem oralizadas. Falar que lhe amo todos os dias, todos os momentos, não é suficiente. Não consegue mostrar a dimensão dessa coisa que transborda, invade, queima, gela, arde... Dá sentido à vida.
Eu ainda estava no chão quando você apareceu. Eu ainda era um bicho amuado, cansado, ferido e com medo. Até que seus olhos me despertaram a vitalidade. Não aquele vigor de sempre, mas uma nova vontade, um novo jeito. Você trouxe uma nova "eu" ao mundo. Eu, lagarta, queria deixar meu casulo. Me debatia, sem conseguir. Por uma fresta eu lhe via parado, observando ao longe minha evolução (ou a ausência dela). Não entendia porque você se limitava a olhar, me indignava o fato de você não me ajudar a romper aquela casca pela qual eu estava envolta. Mas hoje eu sei. Borboleta que não briga pela própria libertação não tem viço, nem brilho, nem força, nem cor. E quando chegou minha hora, rompi o lacre de minha prisão, ganhei os ares. Foi quando recebi a bênção de você me pegar para si. Eu, recém-metamorfoseada, estava agora pronta para, em seus braços, ser (sua) mulher.
Não digo que você me tenha mudado. Talvez você só tenha me ajudado a me descobrir. Com você do lado o mundo não parece mais assustador e o céu é mais atrativo aos meus olhos do que os meus próprios pés. Vento no rosto é carinho, chuva na janela é canção, pôr-do-sol é pintura à óleo, noite de lua cheia é obra de arte, namoro no banco da praça é ternura, filme de romance na madrugada é suspiro, dividir o mesmo guarda-chuva é aconchego, seu rosto passeando em meu pescoço é arrepio, seus lábios grudados nos meus é certeza de que viver vale a pena, me jogar nos seus braços depois de um trovão é segurança, e sexo... Antes de ser prazer é beleza, porque é entrega.
Ser casal é mais que um par de alianças e mais que dividir o mesmo teto: é saber ser um só quando ri e quando chora. E saber que se é um, mas sempre formado por dois, porque a individualidade, em certos momentos, não se desfaz. Ser casal é respeitar o espaço do outro e o espaço que os dois têm em comum. Ser casal, de verdade, é ser o que nós dois somos. É trocarmos olhares de cumplicidade quando estamos brilhando e parecermos ainda mais apaixonados na hora do cansaço, das caras lavadas (com olheiras e tudo). É desistirmos de brigar pelo cobertor de madrugada porque nossos corpos bastam para aquecermos um ao outro. É, por vezes, nossa cama ser nosso mundo e nosso apartamento nossa galáxia. É eu ter meus dilemas e exaustões encerrados quando tenho você dentro de mim... Física, emocional e sentimentalmente. Ser casal é ouvir juntos, às 4h30, esse chorinho no quarto ao lado e sorrir, e embalar essa vida nova que geramos, porque é próprio do amor germinar.
Amor é aquilo que eu sabia que existia, mas só aprendi mesmo com você. Amor é se irritar de vez em quando, mas não querer viver sem. Amor é você me ensinar a ser mulher e eu te fazer um menino, quando preciso. É sermos adultos, crianças, velhos... Tudo junto. Amor é carne, é pele e é olhar. Amor para mim é você e nós dois morando um no outro. Amor é a certeza de que Deus existe e também me ama, que bate costurada, atada, grudada à carne do meu coração quando você me olha e sorri.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Irritada. Apaixonada.


Não bastava ele ser bonito. Tinha que ser sedutor, cordial, educado, cavalheiro. Tinha que ter uma voz envolvente e um olhar despretensiosamente penetrante. Tinha que me ganhar nos mínimos detalhes sem se dar conta. Tinha que ser perfeito, só para me deixar irritada. E tinha que me irritar para que as coisas tivessem mais graça.
O meu sinal interior de que estou ficando entregue não são os sonhos constantes, os frios na barriga, nem os suspiros. Sou incomum e é na irritação que começo a perceber que um cara tem ocupado espaços dentro de mim. É naquela raiva repentina - que vira ternura em segundos - que eu gosto de alguém.
É maluquice, mas que eu saiba, o amor nunca foi são. Se no fim do dia um sorriso bobo vem se deitar no canto dos meus lábios, quando o sol desperta viro a birra em forma de gente: chamo nomes nada gentis, aperto as unhas contra a palma da mão, trinco os dentes e me mordo para não explodir. Mas sempre explodo. E quando explodo me viro do avesso e a doçura volta. E depois o ódio vem. E segue sempre assim. 
É nos pequenos repúdios que mais amo. Porque a ternura sozinha não sabe inflamar. E chama, para se manter, precisa se alimentar de coisas inflamáveis. Amor é fogo, você sabe. Não sei se isso faz de mim um paradoxo ambulante, mas os caras que mais odiei foram os mais amados. E isso me faz pensar que, na vida, as melhores coisas se formam a partir de uma relação de amor e ódio. Equilíbrio, enfim.
Amor é uma ceia interminável, que chega no fim e sempre recomeça. Um verdadeiro rodízio de sensações e sabores: tem sal, pimenta, amargor, acidez, passando pela doçura da sobremesa e voltando de novo à entrada. E felicidade, euforia e fantasia se revezam no posto de prato principal.
Ódio não é oposto do amor, não. Dependendo do caso, é até complemento, extensão, tempero. Só com doce não se faz refeição. É por isso que me irrito. Para não deixar nunca de infl(amar), de(gustar)... Sentir.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Trinta e cinco graus


Já comecei este texto de várias formas. Escrevo, escrevo, escrevo... E apago. Incomum. Eu que sempre fui tão íntima da escrita, me vejo sem palavras. Inusitado. Pensei em começar lhe descrevendo, dizendo o que sinto, falando sobre o que você me causa. Mas aí tudo fica parecendo pequeno, diante do tamanho que você me parece ter. E não pense que isso é poético, porque para mim é assustador.
Parece que errei a mão, perdi a manha do amor. Se bem que com você, a manha que eu tinha com certeza não iria servir. Manha infantil, amor doce de menina. Isso agora que está me batendo (mesmo eu jurando de pés juntos que amor não é) é diferente... É avesso a tudo que conheci ou sonhei conhecer. Foge dos padrões que imaginei para minha vida. Foge do roteiro de todas as histórias que um dia inventei.
É diferente porque, à sua forma madura, é maior. E não digo que seja maior por ser mais insano, mais avassalador... Sei que é maior porque vem me atingindo áreas antes inabitadas. Partes de mim que eu mesma desconhecia.
Não sei bem do que se trata. Sei que a probabilidade desta história não terminar bem é imensa, quase que uma verdade universal. Mas não sei onde termina. No fundo, sei que começou. Mas nego. E nego porque crescer dá medo. Sim, crescer. Porque se apenas com os olhos você conseguiu despertar a mulher adormecida dentro de mim, temo o que poderá me causar seu toque. A perdição salvadora, certamente. 
Você é o esconderijo onde de tão perdida, me sinto encontrada. Pecado que - não sei como - me eleva. Calor aconchegante que derrete a gélida capa de proteção com a qual me envolvi. Sentença de morte curiosamente atrativa. Inferno onde eu vejo paraíso.
Você é uma fogueira queimando em mim. E como toda fogueira, começa brasa, e em seu topo vira uma chama delicada, sublime... Dançando nos braços do vento. O seu fogo já se espalhou por toda a minha lenha e a parte suave da chama também já se mostra. Desconfiei que além de quente esse sentimento estava se fazendo suave e belo quando comecei, todas as noites, antes de dormir, a conversar mais com o seu anjo da guarda que com o meu. O que prova que meu pecado tem a sua metade redenção.
De toda essa confusão generalizada, sei pouca coisa. A única certeza (momentaneamente) imutável que trago comigo agora é que lá fora os termômetros marcam 26 graus. Enquanto tenho um sol queimando a 35 dentro de mim... Com mais de 40 graus de sensação térmica.

sábado, 26 de maio de 2012

Carta II

Helena,
Estou em crise. Estou com medo. Estou com a sensação que já vi esse filme antes. Estou em pânico. É como se eu estivesse voltando a fita e vendo uma situação semelhante àquela que vivi, mas em circunstâncias diferentes.
Tenho pensando, sentido, sonhado. E o tenho incluído na conjugação de todos esses verbos. Não posso acreditar que eu esteja fazendo comigo a mesma coisa, do mesmo jeito. Quero me agarrar a tudo que me diga que não, eu não estou apaixonada. Preciso me concentrar e repetir para mim mesma que não dá, e que eu não quero. Como um mantra. Talvez como uma mentira na qual eu espere acreditar.
Dizem que um tolo pode colher pétala por pétala, sem se dar conta de que é amor. Não digo que seja amor, porque fujo dessa palavra ao máximo. Mas acho que talvez eu tenha, brincando, alimentado um sentimento que é em mim maior do que na realidade eu supunha. É algo sólido que tem me tomado os espaços internos.
Se lembra que eu disse que não sentia nada com ele por perto? Nada como tremor, palpitação e etc? Essa regra só se aplicou até o dia de hoje. Porque hoje, quando não havia nada nem ninguém além de nós dois, eu senti. Borboletas me sobrevoaram o estômago e eu quase possuí um daqueles pedaços de felicidade que eu costumava ter quando sabia amar. Aquelas felicidades baratas, que precisam de muito pouco. Vontade de parar no tempo, vontade de reviver aquilo... Só aquilo na realidade não é nada, não significa nada. O que eu tenho dele para comigo são assuntos que não rendem, cordialidades que de tão formais, parecem ensaiadas. E eu não sei o que isso quer dizer. Mas eu bem queria saber... Só que como?
O frio na barriga, o coração acelerado... Até me lembram minhas paixonites de menina. Mas as vontades que esse moço me desperta são vontadades de mulher. E isso me assusta. Porque eu ainda sou só uma menina. E ele, diferentemente dos que passaram pela minha vida, é um homem.
Hoje meu nome é confusão. E mais do que nunca, estou assustada. Porque a impossibilidade da qual eu costumava rir, essa noite está me deixando triste. E eu nem sei o motivo.
Por favor, minha amiga, me diga que isso é pseudo, me diga que não sucumbi de novo. Me diga que vai passar... O que em mim denuncia que as coisas podem ser maiores do que tenho dito?
Com amor,
Caterina.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Helena,
O que posso lhe dizer é que meu coração tem lá seus momentos de calmaria. Aliás, acho que ele tem estado sempre calmo. E minha agonia deve vir disso... Calma demais dá tédio. Aí por isso, penso eu, para curar o meu ser dessa chatice, meu cérebro tem pecado enquanto meu coração dá uma de esquecido do amor. Meu coração pode estar dormente, preso num cubo de gelo... Mas a cabeça não para. O corpo ainda inflama... Pode ser sinal de que nem tudo está perdido, quem sabe. Afinal, dizem que o amor nada mais é que um desejo que alcançou a maturidade... Se eu sei desejar, talvez saiba amar ainda.
Quanto a Inácio, o que posso dizer é que lhe entento tanto! Eu vi Beralto me escorrer entre os dedos e se tornar um desconhecido. É triste. Eu, que tinha feito tantas juras de amor eterno, ter que abandonar o barco. Era forte demais, amiga, pra ter-se ido desse jeito. Acho que eu só empurrei pra debaixo do tapete e fui vivendo. Tem coisas que não largam da gente, mas a gente tem que engavetar. Eu engavetei. E não me arrependo. Se um dia houvesse a possibilidade de eu e ele sermos "nós", talvez eu me atrevesse a resgatar os sentimentos empoeirados que estão arquivados. Mas passei tempo demais presa ao "se", entende? Deixei de lado.
Eu sei que dói. Confunde, sobretudo. Mas seja forte. Seja a mulher que eu sei que você é. Não será a última, minha amiga. Na realidade, sem desilusões, a vida seria uma chatice. Sem desilusões, a gente não crescia, não aprendia... Pense que tudo que não faz sentido hoje, amanhã lhe mostrará que cada coisa sempre esteve no seu devido lugar.
Sorria sempre. Cace sorrisos por aí.
Um beijo carinhoso,
Caterina.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Carta


Helena,
Hoje eu o vi. Aquele de quem lhe falei... Ele passou por mim na rua. Distraído, calado, parecia envolvido demais naquele mundo que é só dele. No mundo onde tive o acesso negado. De todos os que me ganharam os olhos (só os olhos, porque parece que eu já não sinto), ele é o único que chega a me afetar emocionalmente. Não é amor. Eu conheci esse sentimento e sei que as sensações que hoje me acompanham não vêm dele. Se bem que, com o passar do tempo, se houvesse espaço para proximidades, talvez elas viessem a se tornar amor. Mas este não é o caso, porque falta mesmo espaço para a aproximação. Quer dizer... Acho que sobra espaço para a distância.
E mesmo de tão longe, foi ele quem chegou mais perto do meu interior, das minhas entranhas. Lá do fundo, onde o encanto se escondeu. Digo que "se escondeu" porque me recuso a pensar que um ser tão sonhante, como eu era, tenha que se contentar com as cinzas que sobram quando a chama se apaga. Ouso dizer que se houvesse um pouco menos de espaço nos separando, esse rapaz faria de mim uma fênix, renascida do pó. Ele arranhou o muro espesso que construí à minha volta. Os outros nem chegaram a tocar o concreto.
É engraçado como o menor, o mais franzino, consegue ser mais dentro de mim. Não pense que é amor, amiga. Estou mesmo segura de que não é. Mas estaria mentindo se lhe dissesse que ele não me afeta. Meu coração o reconhece, de alguma forma. Talvez seja aquele rosto de menino quase sempre zangado, ou aquele ar de bom rapaz. Queria tanto cuidar dele. Acho que é esse meu instinto materno que invade todas as áreas da minha vida... Até mesmo o departamento romântico. Talvez, quem sabe, ao invés de alguém que me cuide, eu precise de alguém a quem cuidar?
Não está fácil, minha amiga. Aquele para quem eu mais estive disposta me parece o mais inalcançável. Mas na reaidade, penso que essas coisas são bem típicas de mim... Você sabe, sou dada a impossibilidades desde menina. Desde o meu primeiro amor. Desde todos os meus amores. Acho que não poder acontecer é pré-requisito para que eu queira as coisas. Eu nunca sou razoável com meus próprios desejos. Até me conformo com isso... Mas é que esse estado de dormência cansa. Já cansou. Será que vou sentir de novo algum dia? O amor mais me parece uma lembrança longínqua(ou seria mais apropriado chamar esquecimento?), de um tempo que antes mesmo de ser, já havia passado. E esse menino quase me fez lembrar. Mas foi mais um pseudo, mais um quase, mais um não (que de tão negativo, nem mesmo foi verbalizado). Mais uma realidade irreal.
Pode ser contraditório, amiga, mas às vezes acho que ser dormente dói.
Obrigada por receber mais este desabafo.
Com amor,
Caterina.

domingo, 25 de março de 2012

Sinal vermelho

Quando o coração bateu num forte descompasso, eu ainda duvidava. Quando borboletas me sobrevoaram o estômago, quando o tremor me invadiu as mãos, não pensava num sentimento com solidez. Na verdade, eu não pensava em nada. Quer dizer, em você eu pensava, mas era um pensar vazio. Era só você. Você sozinho, dentro da minha cabeça. Mais nada.
Foi numa tarde fatidicamente estressante que meu coração parou por um segundo, e depois bateu como se meu peito fosse uma porta que se pudesse arrombar, como se pretendesse me quebrar os ossos torácicos, e me rasgar a pele, e ir morar fora de mim. Ainda assim eu duvidei. "Passa", repetia internamente. Quando o coração acalmou, deixou de rastro um sorriso bobo no canto dos meus lábios. Mas era alegria de vida, não de você. Era o que eu pensava.
E aí, de repente, no meio dos meu afazeres tão intensos dos últimos dias, enrubesci. E foi quando enrubesci que soube. Quando a vermelhidão me tomou a face, denunciando que nem o sangue que me corre nas veias pode mais fingir ser imune à sua presença, eu tive certeza. Só uma vez na vida fiquei vermelha antes... Por causa daquele que tanto me teve, sem me merecer. Agora, aqui, aquilo que me levaram voltou pra mim. Voltou pra mim em você. Eu não sou mais dormente ao mistério. Eu ainda posso sentir. Mas será que sei? Talvez você me mereça muito, menino, e eu tenha medo de me dar. Ou talvez agora seja eu que não lhe mereça.
Acho que vou soltar as rédeas. Bem devagar. Porque eu não sou um semáforo, e em mim, vermelho pode muito bem ser sinal de "siga".

sábado, 10 de março de 2012

A fantasia da solidão

- Ele é lindo!
- Me conta mais!
- Ele é lindo, talentoso... Uma fofura!
- Ele te viu mesmo?
- Viu e acenou, já te disse!
- E você tem chance?
- Claro, toda noite.
- Sério?
- Em sonho.

sábado, 3 de março de 2012

"Boto ele no colo, pra ele me ninar"

É desejo, sim. Mas tem também um instinto materno danado que me bate no peito. Quero amá-lo, tê-lo e ao mesmo tempo ser dele. E quero-o em meu colo. Enquanto o embalo, eu encerro todos os meus dilemas: alentá-lo é carícia para minha alma. Acho que isso seja mesmo amor, porque cuidar dele significa cuidar também de mim.
Eu, que carreguei tantas das dores do mundo, sei de cor o que o sofrimento faz de bom e de ruim. E quero estar ao lado dele para segurar-lhe a mão. Para lhe ser o porto seguro que diz, cheio de firmeza: "isto também passará". Já percorri caminho parecido e sei onde se deve pisar e onde as pedras são duras demais para os pés. Mas não vou soprar-lhe o destino, deixarei que ele descubra e faça o seu próprio caminho só. Me limitarei a, em silêncio, segurá-lo pela mão. Por mais que eu queira sofrer em seu lugar, sei que tudo o fará crescer, no fim das contas.
Passei tanto tempo procurando alguém que me pusesse no colo, e hoje sei que precisava mesmo era de alguém a quem cuidar. Acho que nasci para ser um pouco mãe em todas as relações que me levam a criar laços: mãe-amiga, mãe-irmã, mãe-filha, mãe-tia... E por que não dizer mãe-amor? Velando o sono dele, descobri que os suspiros que ele dá, sobre o travesseiro molhado de lágrimas, fazem brotar em mim a maior ternura do mundo. É o pedaço que mim que me faltava.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Metamorfosear

Ela não faz mais o tipo que só abaixa a cabeça e diz amém. Ela não acredita mais nas verdades que você tem a dizer, porque sabe que todas são falsas. Verdades de mentira, sentimentos de papel.
Ela não acredita mais em qualquer coisa, nada do que você diga vai mudar a nova postura dela. Não há mais personagem atrás do qual você possa se esconder... Jogue fora suas máscaras, porque elas são inúteis aqui.
A menininha não mais acolhe de graça, nem fica calada enquanto você brinca de sentir. O coração se fechou e ela fez questão de amarrar também a cara, pra fazer isso transparecer. As palavras doces que ela tinha pra você já azedaram, agora só uma sinceridade ácida lhe sai dos lábios. E não se trata de falta de respeito para contigo, mas de respeito a si mesma e amor próprio. Dane-se o sangue igual que corre nas veias, quando a alma presencia laços desfeitos.
A menininha não acredita mais em contos de fadas e nem lhe vê mais como herói. Ela já não está mais cega, porque cresceu. A menininha já não existe. E a mulher tem punho forte.




segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Desabafo II

Perdi a paciência com quem tem várias faces, e mente, e joga, e finge. Não é porque a vida é um espetáculo que temos que atuar.
Gente de mente pequena sempre se julga esperta. Acha que ninguém percebe, ninguém sabe, ninguém nota a borda da máscara descolando da cara. Mas essência fajuta de um ser é igual a perfume barato: arde no nariz, irrita a pele e denuncia origens transviadas.
Tenho pena de quem ergue bandeira branca pela frente, e pelas costas tenta puxar tapetes. Tenho pena também de quem some sem deixar rastro, jogando toda uma vida pela janela. E tenho pena de quem tem pena de mim. Porque aos trancos e barrancos eu sou forte... E não preciso de pena.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Dor(mente)

Dizem que amor é aquilo que resiste, apesar de tudo. Não digo que meu amor tenha acabado, porque sinceramente, não acredito que isso tenha acontecido. Não estaria doendo se não houvesse amor. Hoje em dia dói diferente, é bem verdade. Acho que é porque antigamente eu já me rasguei demais, e aí agora já não há muito onde ferir. Mas não posso negar que ainda assim me incomode. E se incomoda é porque dói, mas dói escondido.
Foi isso que houve com o meu amor: se escondeu. Arranjou um jeito de se proteger, para não sucumbir. Está vivo em algum lugar, que eu não sei onde. E o fator "é sangue do meu sangue" não vale para libertá-lo. Não tem ligação sanguínea que seja mais forte que um elo entre almas. E nossas almas, é pesado reconhecer, são tão distantes.
Às vezes me sinto uma má pessoa, querendo que não mais volte, querendo que permaneça perdido de vista. Mas não foi minha a escolha de ser vilão, enquanto deveria passar a vida no papel de herói.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Perdidamente salva

Andei querendo me deixar levar. Mergulhei de cabeça no mar, porque descobri que não tem correnteza que me leve se eu ficar parada na areia. E me lembrei que não sei nadar. Mas quando a gente quer, dá um jeito: se debate, arruma uma boia, se mantém. Eu até refleti antes de entrar na água, afinal ir para o mar sem saber nadar é uma temeridade. Aí uma voz aguda sussurrou no meu ouvido que "viver é sempre uma temeridade". Para o meu bem ou o meu mal, ouvi a voz. E me larguei nos braços das ondas.
Engoli muita água, voltei para a areia em agonia e mudei de metáfora. Ao invés de mar, terra firme e pé no chão. Várias estradas à minha frente, e eu sem mapa que me guiasse. Mas "viver já é uma temeridade". Fui. Errei o caminho, peguei um atalho torto: ele não dava onde eu queria ir. Mas o mundo nem acabou, acredita? Isso me surpreendeu, porque eu achava que essas coisas doessem.
Me enganei porque atrás dos belos arbustos de onde eu pensava que vinha o canto dos pássaros, não tinha nada. Nada do que eu procurava, pelo menos. Veio a noite e ficou escuro, mas surpreendentemente, nem medo eu tive. Se na hora estava escuro e não dava para seguir viagem, eu ainda podia sentar e olhar as estrelas.
O mundo não acabou, lembra? Cedo ou tarde tem que amanhecer de novo e o sol há de vir. E quando tudo estiver claro novamente, vou poder mudar de estrada. E me perder quantas vezes for preciso, até chegar onde eu quero. Não tenho mais pressa, nem desespero, nem medo. Porque ouvi dizer por aí que Deus não demora, não. Ele capricha!

domingo, 29 de janeiro de 2012

A dor do nunca

Fui nocauteada pela força de um rinoceronte. Mas não vou chorar, não. Seria infantilidade chorar pela falta de uma coisa que, mesmo antes de se começar a querer, se sabia que não teria nunca. Quando o anjo e o demônio (que pairam cada um sobre um ombro meu) me sussurraram que eu queria, já era do meu conhecimento que não dava pé. Alimentei o mergulho em busca de distração, querendo ter nas veias a adrenalina que há muito me faltava na vida. Mas não sei nadar. Me afoguei.
Cansada de ser inerte, resolvi brincar. Agora sei que quando brinco é quando mais saio machucada. Sou como uma criança travessa, que não consegue sair para brincar na rua e voltar ilesa: tenho que levar de prêmio ao menos um joelho esfolado. De uma forma ou de outra, o sangue acaba escorrendo, porque sempre tem que ter dor. Me odeio ao perceber que involuntariamente eu procuro por isso.
Quando não havia mais onde buscar algo pelo que sofrer, fui procurar o sofrimento mais absurdo e insano. Agora tenho um homem cantando dentro da minha cabeça, e a sua voz faz um líquido salgado me escorrer dos olhos, acariciando minha face. Sei que eu disse que era infantil chorar, mas não há como guardar esse mar todo em mim. E não pense que choro de inveja, ou por almejar uma vida que não é minha. Meu único fracasso é esse dom desgraçado de não conseguir querer aquilo que minhas mãos alcançam. É essa pesada virtude de ter que me doer para me viver plena.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Classificados: aluga-se um coração

Parece que você está de novo amor. Ou novo alvo. Ou nova vítima. Que seja, porque ao que parece, pela primeira vez eu não me importo. A ausência de ciúme me mostrou que o que me prendia a você era só apego. Era qualquer coisa, ainda que gosto doentio pelo sofrimento, mas não era sentimento. O que eu sentia por você já está longe demais, agora eu sei.
Procuro ainda coisas sobre a sua vida por puro hábito, mas no fundo, já faz tempo que não faz diferença. Me preocupei recentemente que você pudesse reaparecer, destruir a vida nova que construí minuciosamente. Não havia me dado conta que você não tinha mais poder sobre mim. Sim, porque se um dia eu estive sob o seu domínio, foi porque me permiti. Você não nasceu ditando regras sobre a minha vida. Tudo que você me causou de bom (e principalmente de ruim), foi porque eu me coloquei nas suas mãos. Eu teria caído fora há mais tempo, se tivesse percebido antes que o amor fez com que eu me emprestasse a você, mas que eu nunca deixei de ser dona de mim. Se quem dá, toma, imagina só quem empresta! Era só me tomar de volta e fim de papo.
Você foi por muito tempo meu inquilino. E daquele tipo que deixa o imóvel destruído e sempre está devendo o aluguel. Eu fui uma proprietária benevolente, que mesmo enquanto você fazia o meu coração em frangalhos, implorava que você jamais se mudasse dele. No fundo eu mereci tudo que chorei. Interpretei o papel de mocinha vitimada por tempo demais e me acostumei com ele. Chorava pelos cantos lhe pintando de bandido e orgulhosa do amor incondicional que trazia em mim. Queria me livrar de uma praga que eu mesma tinha me rogado, mas eu sempre fui meu próprio antídoto. A chave do imóvel sempre foi minha.
Ou melhor, não se tratava de um imóvel. O objeto de negociação era um músculo palpitante, que tem por endereço o lado esquerdo do meu peito. Vulgo meu coração. E numa das batidas violentas, você perdeu o equilíbrio e caiu para fora dele, não suportou minha intensidade. Agora que acabaram-se os atos e as cenas, vou lhe mandar uma real nos bastidores. Acabou a brincadeira e o teatro: você é medíocre demais para o papel de vilão e eu cansei de fazer a mocinha. Rasgo na sua cara o script dessa história melosa (que eu mesma escrevi) e também o contrato de aluguel. Na minha vida sou escritora, diretora, proprietária, maestrina que rege a orquestra. A banda toca do jeito que eu mando e o seu estilo musical nada tem a oferecer para minha voz. Você está fora, campeão, e a última palavra é minha.
Depois de uma bela reforma, o apartamento já está pronto para receber uma nova placa de "aluga-se". Ando mais bonita por dentro e por fora desde que você se foi, e por isso mesmo ando também mais cara. No novo contrato, excluí a cláusula que garantia altruísmo e devoção cega de minha parte. E adivinha... O pré-requisito principal para se candidatar à vaga de inquilino é não ser você. É não ser moleque, como você. É ser tudo que você não é e nem nunca vai ser: um homem.


sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Mutável

É como se meu mundo novo tivesse ficado velho e sem brilho. E agora uma vida nova se põe na minha frente com um convite tentador. E se isso for mesmo o resumo de tudo o que eu preciso? Muitas coisas mudaram lentamente até aqui, é verdade. Mas no momento presente, dependendo das minhas escolhas, posso mudar tudo de novo. Mudar mais e de uma só vez. Talvez mudança pouca seja bobagem e eu precise me lançar.
Sair da casa da família, ir morar numa outra cidade, sempre me pareceram decisões assustadoras pelas quais eu jamais optaria. Agora eu anseio por elas e ainda vou além: hei de juntar corpo, alma, coração, escovas de dentes e trapos com ele. Porque ele foi o meu coeficiente encorajador nessa empreitada maluca de trocar de sonho. E no fim das contas é amor por ele mesmo, isso que tem batido junto do meu coração, cá dentro do meu peito. Amor por ele e por tudo que ele está disposto a abraçar comigo e por mim.
Tenho sentido encantamento por outras coisas. Talvez eu tenha vindo pelo caminho errado, ou tenha só mudado de ideia. Trocar de sonho é bem difícil. Principalmente quando se tem de largar algo que se lutou com unhas e dentes para ter. Brigar por algo e quando alcançar esse algo deixá-lo por falta de tesão é sentir-se uma contradição ambulante, vagando pela vida. Mas o ser humano é passível ao erro, e eu posso ter me enganado na conjugação do verbo querer. Isso não precisa ter um valor catastrófico.
E se eu simplesmente não quiser mudar o mundo? Se eu achar que apresentar às pessoas o mundo sem máscaras é mais do que eu possa fazer? Se eu simplesmente não quiser formar opiniões, para poder usufruir do direito de ficar confusa ao formular os meus próprios pensamentos? E se eu não quiser levar uma vida tendo a obrigação de ser sempre séria, inteligente e culta? É crime? E se, como me disseram uma vez, só a arte puder me contentar? É feio, é pecado, burrice? Ou será que todas essas interrogações não são nada além da minha humanidade gritante, ansiando por felicidade?
O caminhão de mudança chegou. Vou levar as minhas coisas lá fora e mudar de rumo outra vez. E se amanhã eu perceber que me enganei de novo, que seja. Outras estradas existem para andarmos por elas. Porque não acredito que seja insano ir habitando mundo por mundo, até achar um onde eu queira realmente ficar. Volubilidade, meu caro, é ingrediente primordial para vida plena. E só quem se atreve tem coragem de acrescentá-lo na receita. De todas as minhas decisões, perder o medo de atrever-me foi a melhor.


domingo, 1 de janeiro de 2012

Entenda-me quem puder

Estou mergulhada no tédio das horas que se arrastam sobre os ponteiros do relógio, produzindo um "tic-tac" ensurdecedor. Trancafiada num quarto onde o ar circula de mal jeito, fazendo com que eu me sinta abraçada com o sol em pleno verão, olho para a minha vida vazia, na qual você não se insere.
E submersa pelas ondas invisíveis, geradas pelo tempo uivante, me lanço na serenidade e me convenço de minha própria solidão. E ao me convencer, descubro docemente em que consiste o amargo mistério: ser só é fator inerente à minha existência. E aí eu caio.
Não caio de dor, nem de susto. Caio pela mesmice das coisas. Caio pela sensação de dormência e pelo não-sentir. Caio porque sem ver, me lancei em mais uma realidade inventada. Caio porque de realidades de papel é que se tem construído a minha história, e eu nem tinha me dado conta. Conta. Você é mais um entre os meus incontáveis faz-de-conta, que minha mente criou para fugir do tédio; e que meu coração acreditou, por ser tolo. Impossibilidade e paixão caminham de mãos dadas em minha linha do tempo, e não há no mundo quem as separe. Estabelecem uma dependente relação de coexistência. Como a solidão e eu.
Mas se em tudo que é ruim existe o lado bom, no meu vazio também há preenchimento. Porque para a minha arte melancólica de ser só, encontrei uma plausível justificativa. Meu coração não pulsa para eu viver, ele pulsa para sonhar. E assim busca do amor justo o impossível, para não ter de acordar... Para não ter de ver o sonho se desfazer, explodindo em realidade. O que eu quero não tem nome, nem forma, só distância. E desde que o mundo é mundo ainda não vi amanhecer o dia que eu desejei algo ao alcance de minhas mãos. Porque eu vivo de querer, e o querer se perde quando surge o ter. Por isso que sempre ao compor meus contos, como ato obrigatório e mecânico, antes de todo "ter" eu escrevo um "não".