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quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Safra


Às vezes penso que não importa o quanto tempo passe, mas daqui para antes de morrer, eu preciso ser dele. Eu preciso provar um punhado da humanidade dele. Eu preciso absorvê-lo. Sorvê-lo como se ele fosse um bom vinho guardado a sete chaves na minha adega. Preciosidade da safra de 1976, bebida que eu só precise provar uma única vez, para nunca secar a garrafa. É como se me faltasse apenas beber uma taça cheia dele, até a borda, para que a vida realmente comece. 
Mas não quero tê-lo, não. Acho até que se isso fosse uma possibilidade real, as coisas todas perderiam a graça. Eu só preciso que ele me tenha. Que consuma até a última gota do meu ser e depois me jogue para o lado, completamente sem ar. E então me faça meia-hora de cafuné, me beije a testa e vá embora. Que me deixe, mas me deixe mulher.
É como se eu precisasse que ele entrasse em mim para que coisas maravilhosas de verdade comecem a vir para minha história. É como se eu soubesse que, um dia, isso vai acontecer. E então, não vai importar nada daquilo que eu nunca fiz, porque é como se eu conhecesse o corpo dele. E nada do que eu não sei fazer vai atrapalhar, porque com ele, não me pergunte o porquê, eu simplesmente vou saber o quê e como fazer. É como se a pele dele, nos mínimos atritos que já teve com a minha, me dissesse isso. 
E essas sensações todas atravessadas soam como um grande erro, um grande pecado, mas que não me dá culpa. Pai, afasta de mim esse cálice, mas me deixa degustar desse vinho tinto de sangue primeiro.