Marcadores

domingo, 30 de dezembro de 2012

Sede


Quando a tarde começou a dar os primeiros sinais de que queria se despedir, ela se entregou. Enquanto o sol se deixava repousar timidamente por sobre a linha do horizonte, da mesma forma doce - e quase tímida - ela permitia que ele a deitasse por sobre seus lençóis e travesseiros, e se reclinasse sobre ela. Fizeram amor. Uma, duas, três vezes... Enquanto explodiam em brilho as primeiras estrelas no céu. Entre beijos, sussurros, suspiros e mãos entrelaçadas, o sentimento que ela tanto negava estava encontrando sua consumação. 
Era a vida começando. Como se até então ela estivesse insuspeitadamente numa realidade paralela e só tivesse realmente nascido depois daquela conexão tão intensa com ele. Junção de corpos e almas. Energias trocadas. Exaustão, por fim. Ela repousava de olhos fechados, com a cabeça sobre o peito dele, lhe ouvindo o coração acelerado, como um tambor que anunciava a chegada dos tempos de felicidade. As mãos dele - que perto do corpo franzino dela, pareciam ainda maiores - passeavam carinhosamente pelas suas costas nuas.
O brilho prateado da lua invadia o quarto, pela fresta entre as cortinas brancas de pano leve, quando ela enfim despertou. Estava vestida com uma camisa dele. Procurou-o na cama com as mãos, encontrou apenas um bilhete: "Fui encontrar com os outros, antes que dessem por nossa falta. O que aconteceu aqui foi especial para mim. Espero que para você também. Nos vemos no jantar". Num suspiro, fechou os olhos e lembrou em flashes de tudo que havia acontecido. Sorriu sozinha: tinha sido especial para ela também. Ainda podia sentir a pele das costas dele sob suas unhas. Foi uma gloriosa primeira vez. Nem bem havia se desvencilhado dele, e já sentia falta do seu corpo junto ao dela. Tomou um banho, desceu para o jantar.
Encontrou com o restante do grupo. Ele já estava com eles. Se cumprimentaram como se não tivessem passado a tarde inteira juntos. Comportamento acima de qualquer suspeita. Mas se olhavam de um jeito diferente, que só eles sabiam. Ele a olhava com uma propriedade misteriosa de quem conhecia cada centímetro de seu corpo. E agora conhecia mesmo. Ele a olhava como se ela fosse sua mulher. E ela era. Independente de status, convenções e oficializações, tinha sido nos braços dele que, naquele mesmo dia, ela tinha se transformado numa mulher.
Na cabeça dela, uma leve confusão se estabelecia momentaneamente. Aquilo tudo deveria soar errado, pagão. Mas ela não se sentia suja. Era só leveza o que havia. Olhava nos olhos dele, fitava o sorriso perfeito que ele tinha, e entrava num êxtase interior. Lembrava do tamanho da felicidade que sentiu quando os dois corpos se uniam, nus, sem pensar duas vezes. Sem pensar em nada que pudesse estragar aquele momento. Porque tinha que acontecer, não dava para evitar. De uma maneira ou de outra, eles iam acabar se entregando. O magnetismo existente entre eles nasceu para ser o próprio motivo de força maior, vencendo todos os medos e vontades adversas que pudessem surgir. Porque é amor. Agora ela podia admitir para si mesma aquilo que passou tanto tempo negando. Era apaixonada por ele. E ele despertava nela o que ela possuía de melhor e pior: era ela mesma, sem máscaras, sem freios morais ou hipócritas. Ela era mais ela, em essência, quando saciava a sede que tinha dele.

domingo, 9 de dezembro de 2012

Começou. É o fim.


Agora eu sei que não sei disfarçar. Eu sei que meu rosto me trai, demonstrando uma parte do que acontece dentro de mim quando ele divide comigo o mesmo cenário. Eu soube e, acredite, até achei alguma graça nisso. Afinal de contas, tenho certeza absoluta de que se trata apenas de um magnetismo físico que logo, logo vai passar, não é mesmo?
Não, não é mesmo. Estou ferrada e me matando por dentro poque eu já não sei mais o que isso é. As coisas estão fugindo do meu controle e com ele por perto, meu corpo ganha uma leveza tamanha que se eu desse um impulso com os pés, talvez fosse capaz de chegar ao céu. Meu peito se alarga. O ar entra em maior volume nos meus pulmões. Minha existência se alarga. Meus caminhos se alargam. Minha vida se alarga. Meu sorriso se alarga, enfim. Se alarga e me denuncia. E faz isso com a cumplicidade dos meu olhos,  que me entregam. Ou melhor, que entregam o meu desejo de me entregar a ele numa bandeja.
Ao cair daquela tarde eu era só uma menina cansada, repousando a cabeça sobre o braço da poltrona. Foi só ele chegar que o calor se instaurou, me confundiu, tomou conta de mim de tal forma que ao final da noite eu era uma vadia sussurrando o nome dele para as pedras da calçada e para as luzes de natal, querendo-o com uma urgência inflamada, que arde ainda mais por saber-se impossibilitada de ser atendida. Eis a confusão que ele me causa. E ele sabe disso.
Tanto sabe, que anda em minha direção, me olha nos olhos como que querendo mesmo me enlouquecer. Tem conseguido. Minha sanidade se está esvaindo. Se eu ainda tivesse a segurança de se tratar apenas de um querer, estaria tudo bem. Por maior que o desejo fosse, quereres não se sustentam sozinhos e uma hora têm de partir. Mas as coisas estão ficando bonitas e essa beleza me assusta.
Não é mais um desejo sujo, despido de pudores. É um desejo que, apesar de latente, está vestido... De alguma ternura vinda não sei de onde. Ele, que antes se hospedava nos meus sonhos de formas unicamente quentes, parece ter se mudado de vez pra eles também de uma forma terna. Não são mais só os corpos se encontrando e sendo um, são as vidas que cansadas de andarem como linhas paralelas, burlam as regras da geometria e se cruzam, se entrelaçam e seguem como sendo uma coisa só. Em sonho, eu tenho visto um futuro promissor se firmando a partir dessa bagunça de presente. 
Tenho medo e não consigo parar de escrever porque a escrita foi a forma que encontrei de colocar essa confusão pra fora. Tenho medo de falar a respeito. Tenho medo de oralizar os meus fantasmas que podem ou não ser camaradas. Tenho medo de pronunciar o nome dele ao vento, sozinha, e ser atendida pelo universo. Não tenho costume de sonhar coisas que se tornem reais. E apesar de todas as racionalidades, eu o tenho sentido tão intuitivamente meu... Um sentimento acima de qualquer palavra. As rédeas estão escorregando entre meus dedos. Não tenho mais controle sobre mim. É esse o meu final? Ou começo.

sábado, 8 de dezembro de 2012

Sentimento de cor, sem nome


Penso que ele reconhece a repulsa nos meus olhos. Acho que ele percebe o quanto a curva da minha sobrancelha fica irregular quando a imagem dele encosta na minha íris. E o pior é que ele, pescador das coisas que navegam nos mares invisíveis do vento, certamente sabe o que se esconde por trás da minha aversão relutante, aguda. Uma paixão latente, um desejo pulsante. Uma coisa que faz ferver cada milímetro de sangue em mim, que corrói centímetro por centímetro de minhas veias.
É que eu preciso me irritar. Eu preciso enrijecer para sobreviver a isso. Preciso buscar firmeza onde não tem, para não me desfazer diante dos seus olhos. Para não amolecer, escorregar pela vida e me serpentear por entre os braços dele. Eu preciso nutrir a raiva para me manter de pé e não morrer de amor. Porque dada a intensidade das coisas que acontecem dentro de mim quando ele está por perto, se isso tudo se transformar em amor, não sei se eu resisto. 
É tudo muito exacerbado. É tudo extremamente arrebatador. Meu subconsciente - digo "sub" por se tratar de uma ação involuntária - maquia com a raiva esse sentimento que eu nem mesmo sei se já foi sentido por outro ser humano. Só um ódio suficientemente fosco para tentar esconder (será que consegue?) esse sentimento de um vermelho fluorescente, que sequer carrega um nome.