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sábado, 21 de dezembro de 2013

Altruísta? Egoísta!


Queria conseguir mensurar o quão idiota eu me torno, ao colocar seu nome diariamente nas minhas preces noturnas. Ou melhor, não queria, não. Acho que que eu teria muita vergonha de mim, ficaria constrangida na minha própria presença. É muita falta de bom senso.
Pelo amor de Deus, onde já se viu? Eu, colecionadora de fragilidades, portando todo esse instinto protetor? É dose, mas não sei amar de outro jeito. E estando você fora do alcance dos meus cuidados, eu rezo. Converso com seu anjo da guarda, bato altos papos com ele de madrugada, como se tivesse esse direito. O meu anjo fica até com ciúme, mas é que acho mesmo o diálogo com o seu guardião mais divertido. Porque tem você no meio. Porque envolve a forma como você ri, dorme, acorda e vive. E você é bem melhor do que eu. Eu não tenho graça nenhuma, e meu anjo só sabe falar de mim.
Todas as noites, ao encostar a cabeça no travesseiro, me imagino abraçando seu anjo bem apertado, chovendo no molhado e dizendo para ele cuidar de você, como se a existência dele tivesse alguma outra razão que não essa. Velar toda a sua vida, ficar à espreita de todos os seus pensamentos, movimentos, sentimentos e decisões. Eu invejo tanto o seu anjo... Que minha reza chega a quase ser pecado. Que meu amor, em forma de oração, beira o egoismo. 

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Se

Quero dizer que sim. Eu enfrentaria todos os becos escuros que estivessem à minha frente, se eles levassem até você. Eu me faxinaria por dentro, limparia essa bagunça indecente que se tornou o meu interior, só para você entrar. E eu escancararia as minhas portas para você. Sem drama. Sem medo. Sem receio. Sem pensar duas vezes.
Ele voltou latejado, como há muitos anos não se mostrava a mim. E agora sei que é mesmo ele porque dói. Porque amar, não importa o quanto se enfeite a coisa, sempre vai doer. Sempre. A grande questão é se vai valer a pena ou não deixar que doa. Mas sempre dói e ninguém foge disso. E eu tenho experiência acumulada em dores inválidas.
Mas eu evitaria analgésicos e anestesias, eu me lançaria. Eu... Se você fosse real.

domingo, 1 de dezembro de 2013

Formatura


Deixei um bilhete sobre a mesa pequena da sua sala. Não era despedida. Era um registo, de próprio punho, de que eu havia ido embora. Não gosto de me despedir, e afinal de contas, ainda vamos nos encontrar. Só não vamos mais nos fundir, nos misturar, nem trocar sonhos ou saliva. Tentamos.
Quase acreditei que eu fosse ser seu mundo, e quase cheguei a fazer de você o meu. Nos preocupamos tanto em sermos os diferentes que se completavam, que esquecemos de olhar para as semelhanças que talvez pudessem existir entre nós. Agora já não há mais tempo de reparar se elas um dia estiveram ali. É tarde.
Cumpri meu papel de ser inteiramente sua, com tudo que eu tinha, no tempo em que nós dois fomos um. Você, meu tutor. Meu porto seguro. Minha escola de vida. Minha faculdade de como ser eu mesma. Minha pós-graduação de como ser uma mulher. Mestrado de autoconfiança. Doutorado de autoafirmação. PhD de sex appeal.
Nos amamos carnalmente por cinco meses e vinte e sete dias. Faltava algo e quando eu pedi mais, você me ofereceu as chaves do seu apartamento, espaço para minhas roupas no seu armário, lugar para minha maquiagem no seu banheiro e escolheu o nome dos filhos que viriam daqui um ano ou dois. Você me ofereceu tudo que eu sempre quis, mas nada do que eu precisava: um pouco da sua alma.
Por isso resolvi partir. Porque percebi que não era sadio brincar de casinha quando não tem alma envolvida. Era tudo bom, e tudo uma delícia, mas era tudo tão vazio. Eu não podia continuar sendo a jovem madura querendo segurar a onda de um adolescente de meia idade. Nossos papéis trocados não nos favorecem. Obrigada por me mostrar que tenho asas. Ainda tenho tempo de aprender a voar, e não vou conseguir fazer isso enquanto estiver morando em sua cama.
Você me transformou numa mulher forte. Bem do tipo que não suporta ficar à espreita de homens como você. Eu já me anulei antes. Não vou fazê-lo de novo. Depois da qualificação: formatura.

domingo, 27 de outubro de 2013

Febre


É uma doença sem cura. Que volta. Se abraça com meu sangue e corrói centímetro por centímetro de minhas veias. Queima. Me implode. E eu imploro por sanidade. Rezando pra enlouquecer. Com sede. Com um velho desespero, que toda vez que me bate, é novo. Eu tenho urgência em preencher meus espaços.
De nada me adiantaram analgésicos, antibióticos, antitérmicos. A infecção voltou. Sei, porque tenho febre outra vez. E tenho sonhos. E tenho loucuras internas que por vezes querem se externar. 
Eu tenho calor de você. Eu nunca gostei tanto do fogo. É um sentimento mau. E eu cansei de ser boa moça.
Vontade dá e passa. Mas volta se a gente não mata. E ressuscita quando morre no prazer. E eu nunca quis viver tão perto da morte. Eu nunca quis tanto ser uma assassina.
Eu ainda sou um terreno baldio, escriturado no seu nome.

domingo, 14 de julho de 2013

Siccità


Talvez aquele dia sob o chuveiro tenha sido o último. A última dança. O último beijo. A última escalada. O último compasso. A última oralidade de coisas que não devem ser ditas. A última gota. O último sonho.
Não sei se minhas unhas voltarão a desenhar nas tuas costas aqueles caminhos tortuosos, daquelas dez estradas paralelas que não sabiam pra onde iam. Só sabiam que eram. E eram por causa da explosão, da combustão. Eram por causa do você dentro de mim, que só existia quando eu fechava os olhos. 
O magnetismo perdeu um pouco da força desde que se viu sozinho: a razão deu um tapa na cara da ternura, enfim. Desiludida, a idealização do (im)provável romance curvou a cabeça e se foi. Sentido, cadê? Acho que foi, também. Me resta só esperar o retorno do oitavo, para observar se ainda serão acesas fogueiras às seis da tarde.
A chuva que eu dizia, duvidando, que ia passar, passou. Lá de volta, outra vez, à estiagem? Não cabe mais essa coisa latente no meu céu azul particular. As peças deixaram de se encaixar na minha realidade inventada. A atração ainda existe, mas sozinha. E então começo a pensar que ímãs também têm prazo de validade.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Paralelo

Às vezes a gente precisa inventar um fantasma novo para fugir dos velhos. Colocar máscaras no próprio rosto, antes de se olhar no espelho. Fantasiar, de alguma forma. Enlouquecer, para recobrar a sanidade. 
Aí de repente tudo parece bem. A euforia volta, mas sem a dor. Recostar a cabeça no travesseiro volta a ser doce, porque dormir volta a ser bálsamo, pois os sonhos bons voltam a nos encontrar em nossa cama, basta que as pálpebras vendem nossos olhos. E não se trata mais de fogo como há pouco, nem de lágrimas como há muito tempo. É só doçura gratuita. Casa de chocolate no bosque, sem ter bruxa dentro.
João e Maria que se apeguem às migalhas de pão para marcar o caminho percorrido. A minha ideia é esquecer os passos dados bem onde eles devem ficar: na estrada atrás de mim. E me perder nesse mundo que sequer me pertence e apesar de paralelo e afinado no meu tom, é distante. E seguir sorrindo bobo e cantando, mesmo que como uma segunda voz desmicrofonada. 
E tudo diminui de tamanho e fica pequenininho: meu passado triste que não foi além, meu presente inflamável que secou o botijão de gás antes de ser futuro, e até os problemas de verdade. Troco minhas improbabilidades possíveis por uma probabilidade impossível. Deixo a irrealidade brincar de real e, propositadamente, vez em quando esqueço que é brincadeira. Faço isso sem culpa, para poder, em alguns momentos, deixar de lembrar que o amor não existe... E fantasiar que ele existe, sim. E sorri. Sorri pra mim! Ao menos uma vez na vida. Ao menos de mentirinha.


quinta-feira, 27 de junho de 2013

Quando sempre é nunca


Seis anos. Quase como que seis segundos de ventura em seis décadas de amargor. Lágrima que passou arrastada, no riso que precocemente se escondeu por trás dos lábios. Seis pedaços agonizantes de uma história que se esqueceu do "e foram felizes" antes do "para sempre".
O engraçado - para não ser trágico - é o quanto você ainda tem a melhor parte de mim, mesmo depois de tanto tempo. O quanto meus esforços de cortar todos os vínculos e me encaixar num mundo onde ninguém ao meu redor soubesse da sua existência foram em vão. O quanto a nota que vibra mais afinada em minhas cordas vocais ainda pertence a você, mesmo que para eu cantar bem, o coração tenha que ficar dolorido.  
E no meio da passagem desses pensamentos na minha cabeça, é no mínimo irônico constatar que eu também sou sua única história a ser contada. Eu não tenho nada além de você para mostrar às pessoas que amei, um dia. Você não tem nada além de mim para dizer que foi amado. Não daquela forma com pele, sangue, alma e vida. Ninguém lhe prestou serviços amorosos de vassalagem como eu. Ninguém se submeteu aos seus caprichos infantis por amor. Ninguém aceitou tantos calos nos dedos por massagear incessantemente o seu ego inflado. Ninguém nunca se estirou no chão para que você passasse por cima. Exceto eu. Ninguém nunca lhe amou daquela forma... Com aquele amor. Com este amor. Que me assombra durante meu sono, mesmo depois de morto e enterrado. Meu fantasma. Meu carma. Minha ópera que ecoa macabra por trás das minhas cortinas, mesmo que para quem olha da plateia, tudo pareça em seu devido lugar.
Ontem me disseram que seu tempo em minha história havia passado. Mas o seu tempo, incorrigível, não passa. O seu tempo é sempre. E não passa. Nunca.

domingo, 5 de maio de 2013

Santa chuva profana


Ela pensava que era como sair de casa num dia ensolarado de verão sem sombrinha, e se deparar com uma passageira chuva torrencial quando se está no meio da rua. Tudo que se tem a fazer é procurar algum abrigo e esperar a chuva passar. "Sempre passa", pensava ela, toda dona de si.
O problema é que, em tempos de aquecimento global, os fenômenos climáticos cada vez mais vêm esquecendo as regras. Agora, dentro dela, também é tempo de um certo tipo de aquecimento, que pode acabar com todas as convenções que ela julga entender sobre céu, inferno, verão, chuva, e principalmente sobre a eterna estiagem que ela determinou para si.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Até que o dia termine


Me deixa te amar sem medo só por hoje. Sem medo e sem me preocupar com tudo aquilo que esfrega os dedos indicadores na nossa cara e diz que "não pode ser". Sem pensar na nossa falta de afinidade abstrata e visual, ignorando o fato de que amanhã é provável que você nem olhe na minha cara. Hoje eu decidi que vou te amar e te querer sem culpa, deixando um pouco fora de foco a verdade absoluta e ingrata de que quem está ao seu lado não sou eu. Resolvi que, nas próximas 24 horas, não vou negar o que sinto: não vou negar a parte que lhe pertence dentro de mim. Até que dê meia-noite, vou manter a guarda abaixada. Até que o próximo dia nasça, eu vou esvaziar minha cabeça e deixar que ela se preencha de você até a borda. Vou abrir o registro que te retém na cisterna e vou deixar você desaguar em mim, me molhar inteira. Vou me permitir, só neste dia presente, ver e rever fotos suas e sorrir bobo com o canto dos lábios. E sorrir largo com os olhos inteiros. Acho que não faz mal se for só por hoje. Amanhã eu recobro o juízo. Sem falta.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Silêncio enfarpado

Já vi palavras machucarem muito mais que agressões físicas. É algo até comum. Mas a gente foge do óbvio até na hora de se atingir mutuamente. A gente não se xinga, a gente cala. Seria até uma forma mais decente de se ferir, mas o silêncio pode ser uma farpa cortante capaz de provocar dores e raivas latentes. 
Não sei lidar com a ausência de som. Digo assim mesmo, "ausência de som", porque "silêncio" me pesa até no seu simples pronunciar. Sei que fecho a cara, viro o rosto para o outro lado, finjo que nem vi. Mas não me dê o troco. Eu não sei levar o troco. Egoísmo? Talvez... Não interessa o que é, interessa é que não suporto silêncio. Grite comigo, me destrate, mas não me jogue na cara essa falta de acordes, de palavras, de ruídos. Se tiver que faltar alguma coisa, que seja o ar durante um beijo. Seja o juízo, na cama. Mas que não nos falte o som, seja ele qual for. Porque eu não suporto o silêncio que a gente faz.




quarta-feira, 3 de abril de 2013

Confesso

Que gosto dos fios de cabelo branco aumentando em quantidade por cima da sua cuca maravilhosa, denunciando os anos que se colocam entre nós. Que gosto de você usando seus óculos de grau, parecendo um intelectual de boa índole - mesmo que você não seja tão bom rapaz assim. Que gosto de você usando seus óculos de sol, destacando seu ar de conquistador. Que gosto das roupas sociais que você usa no trabalho, porque elas só me aumentam a vontade de arrancá-las de você. Que gosto do seu andar levemente estranho, de passos leves e silenciosos como os de um leão caminhando ao encontro da presa. Que sonho - dormindo e acordada - em ser presa do você-caçador. Que gosto do seu jeito quase enigmático de me olhar nos olhos, de baixo para cima, seriamente e em silêncio por uns instantes, sempre sugando um pedaço da minha alma. Que gosto de você sendo o único a rir das minhas piadas sem graça. Que gosto de você sendo o único a não rir das minhas piadas engraçadas. Que gosto de você achando graça nas horas que eu fico moleca demais. Que gosto de como você tenta me irritar. Que gosto de como você consegue. Que gosto de você dando conta das minhas coisas, da minha vida. Que gosto do meu nome na sua boca. Que gosto dos seus dedos encontrando, casualmente, a minha pele. Que gosto do seu jeito cafajeste. Que gosto de olhar para você mais do que para qualquer outra pessoa no mundo. Que gosto do jeito como você morde as paredes da boca. Que gosto de como seus olhos ficam apertados quando você sorri. Que gosto da sua barba rala por fazer. Que gosto quando você me chama de volta para o mundo real, dizendo que eu estou "voando", sem saber que na realidade estava pensando em nós, que não somos. Que gosto do jeito como meus problemas diminuem quando você está por perto. Que gosto de como você tenta amenizar meu nervosismo visível. Que gosto do seu mistério. Que eu gosto de você. Confesso.

sexta-feira, 29 de março de 2013

Jornal(cin)ismo

                                      

O que a gente faz quando chega no futuro e ele é bem diferente do que se costumava pensar? Entra eu crise. Eu entrei. Agora é oficial. Estou em crise. Eu nunca esperei disso tudo sombra e água fresca, muito pelo contrário, mas nenhum teste vocacional do ensino médio me disse que seria assim, como é hoje. Eu e minha profissão: casal de noivos em crise às vésperas do casamento, dada a proximidade da minha formatura.
A formatura está chegando e eu não tenho perspectiva profissional nenhuma. As coisas e pessoas desse ofício me cansam e eu já não sei se queria mesmo estar aqui, se sou mesmo boa nas coisas com as quais sempre acreditei ter afinidade. Incerteza define exatamente o momento. O meu melhor nunca parece o bastante. Beleza: pessoas que há quatro anos me diziam para desistir antes de tentar, vocês venceram! A coisa aqui não é boa e eu não quero mais brincar disso. Epa! Mas do que eu quero brincar, então? Embora eu não tenha mais certeza de que este seja mesmo o meu lugar, não consigo me ver em outro. Isso deve dizer alguma coisa.
Talvez eu não seja um peixe fora d'água, só um peixe palhaço trancado num aquário e sonhando com o oceano. Tipo o Nemo. E falando em palhaço, talvez fugir com o circo resolvesse todos os meu problemas. Mas quem foge, foge de alguma coisa. E se, por medo ou comodismo, eu estiver fugindo justamente daquilo que eu deveria correr ao encontro? Tantas perguntas sem resposta...
E eu sei que esse texto nem ao menos parece fazer sentido, mas não era pra fazer mesmo. Eu estou aqui na frente do computador apenas expulsando da mente toda minha confusão. Isso é uma confissão desconexa. Palavras soltas. De uma vida que anda solta e esqueceu qual costumava ser a força de gravidade que a segurava no planeta. Preciso lembrar quanto vale o meu "g" para saber em quantos Newtons se mede a minha foça, e eu sempre detestei física. Acabei no jornalismo por gostar de palavras, claro, mas principalmente por detestar números e coisas relacionadas a eles.
Sempre pensei que na vida não existissem fórmulas prontas, mas hoje a pequena vivência que tive com o meio jornalístico me deixa em dúvida. Embora não devesse ser assim, parece que existe uma incógnita "delta" cujo valor só é revelado aos afortunados e seus QIs. Desse jeito, os bons não conseguem encontrar o valor de "x". Báskhara da deslealdade. Exatidão numa ciência humana? Transgressão de valores. Vejo um ofício vendido, exalando desumanidade. Controvérsia. 
Mas apesar de tudo, existe o lado artístico da coisa. Sempre me perguntei por que artistas de vocação terminavam por ocupar tantas bancas das salas de aula dos cursos de comunicação. Comunicação hoje em dia é arte: teatro. O mundo é uma farsa e o jornalismo - com apoio da publicidade, certamente. Mas falo só do jornalismo, por ter alguma propriedade para - é aquele cara que fica na coxia, abrindo e fechando a cortina, mostrando só o que lhe convém, sustentando o espetáculo. Bravo! Bravíssimo! Onde encontro uma cesta de tomates?
Pensando bem, talvez eu tenha descoberto o "meu" problema. É que não era exatamente aqui onde eu planejava estar. Não foi bem este o ofício que eu escolhi. Enquanto noticiabilidade for medida por cifrões e equações matemáticas determinarem quem entra na festa e quem fica de fora, eu prefiro ficar aqui, na plateia, neste ângulo de onde consigo ver o show ser manipulado no backstage. Eu fico aqui, ainda que impotente, com uma vaia amarga presa na garganta, mas me recuso a ser mais uma puxando cordinha nos bastidores, fazendo do mundo uma marionete. 

sábado, 19 de janeiro de 2013

Cinza


A questão toda é este lugar. Que faço meu, ao qual eu ligo toda a minha vida, só porque você existe largamente nele. Não importa o que venha fazer aqui... Sempre quando eu passo por aquele portão, o primeiro rosto que me vem à mente é o seu. Sem máscaras. Sem solicitações ou entregas. Mas só a sua presença já é um convite delicado e rude para que eu sucumba. 
Por ilusão de ótica, eu vejo seus braços abertos para mim, no fundo de um precipício. E aí me lanço, sorrindo. Como se a vida não fosse muito mais que meu suspiro embriagado antes de fechar os olhos e pular no buraco negro onde toda claridade que há é a sua pele, que ainda por cima é morena.
Estou ensandecida. Porque se nada faz sentido e sei disso, mas insisto... Deveria prontamente esperar minha interdição. Chega a ser patética a forma como eu me largo nos cantos estratégicos desse lugar, só para milimétrica e cronometradamente me encontrar com você, casual e acidentalmente. Tudo tem que estar alinhado: de onde você vem, por onde vai passar, onde eu vou estar. E claro, nossa trilha sonora tocando no seu melhor modo estéreo dentro da minha cabeça. E depois a frustração de não ter controle remoto para pausar a cena, voltar, e assistir você passando em câmera lenta sob meus olhos até o fim dos tempos.
Sei que tenho que gastar isso. Até a última gota. Precisa acabar. Precisa passar. Eu preciso voltar à minha normalidade de moça recatada. Porque ultimamente, por sua causa, tenho vivido constantemente em chamas. E só o que se pode esperar de uma fogueira são as cinzas no fim. Tudo que se entrega ao fogo - e vive nele - fada a sua existência a reduzir-se a um punhado de pó acinzentado, depois que toda a fumaça se perder no ar.



quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Amado

Amado,
Peço licença para lhe chamar assim depois de tanto tempo. São cinco anos? Veja você, quase seis. Quando eu dizia que seria para sempre, não imaginava de verdade que levaria esse monte de nada existente entre nós tão adiante assim. Peço uma licença ainda maior para lhe escrever mais um dos meus textos onde você nunca vai pôr os olhos. E isso até me faz lembrar os poemas que lhe fiz e que você chegou a ler, do meu próprio punho. Mas já nem importa. Depois que desisti de ser embarcação à deriva no seu mar, esqueci de como se fazem as rimas. E o mais trágico: esqueci o caminho da praia. Esqueci como se faz para amar. Mas isso também não importa. Se importasse, esse texto seria uma cobrança infeliz, amarga e cheia de mágoas. Coisa que não é. Não mais.
Não que fosse lhe interessar saber, caso você lesse isto aqui, mas queria lhe dizer o que foi feito de minha vida depois que deixamos de ser o que nunca fomos. Cortei o cabelo, entrei para a faculdade, fiz duas tatuagens, entrei numa banda que toca música de gente grande, ganhei alguns quilos (não muitos), coloquei um piercing, comecei a trabalhar, voltei a me tatuar (assumindo meus impulsos cantantes). Cresci. Me tornei uma mulher. Vivi coisas que me deram prazer, mas agora me pergunto até que ponto isso tudo foi de fato amor próprio e auto-suficiência, se a cada sorriso que eu dava, eu desejava que você visse a minha glória absoluta com a sua ausência. Como se cada conquista ainda girasse em torno de você, a partir do momento que eu lutava pela minha própria felicidade só para jogá-la na sua cara. Acho que esse processo todo não foi realmente crescer. Mas acredito, no final das contas, que o crescimento tenha chegado, de alguma forma. Porque ando querendo ser feliz por mim. Ou tentar sê-lo, com o que eu tenho, embora não tenha tido o que mais quis. Você sabe o que é. E você é aquilo que sabe.
Mas também é verdade que eu tenha recobrado minha sanidade quando se trata de você... E de gostar de você, principalmente. Não fazia muito sentido cobrar amor eterno de alguém que era só um menino. Hoje eu sei. Estávamos sintonizados em fases diferentes da vida. Me desculpe pela raiva que nutri por você. Foi a mágoa, filha da cegueira que não me deixava ver que o fato de não sermos um não era o fim do mundo, nem fazia de você vilão. Me perdoe. Eu ainda creio que do lado esquerdo do seu peito bata um coração nobre. Nós é que não deveríamos ter sido. E não fomos. Ainda bem, porque talvez nós tivéssemos sido uma verdadeira tragédia. E não restaria nada de bom, como agora eu sei que restou. Porque infantilidades à parte, sei que você desperta o melhor de mim. Não mais o altruísmo cego, mas o sentimento mais puro e bonito. Eu, tão cheia de falhas e pecados, sendo capaz de amar assim... E eu nunca lhe agradeci por salvar minha alma do limbo. Obrigada, minha mais doce penitência.
A questão dessa coisa toda ser sofrida - para mim - vem do vazio. Eu dizia que não te amava mais, por ter arrancado você do meu coração. Mas nunca pus ninguém no seu lugar. No começo era uma espécie de luto amargo, excesso de respeito pela memória do nosso amor enfermo. Depois foi só que eu não achei ninguém que combinasse com os aposentos reservados a você, no meu coração. É como se eu tivesse um mansão, e ao invés de dar aos hóspedes a suíte master, só conseguisse oferecer a eles a pequena dependência de empregada, escondidinha ali na área de serviço, sabe? Por vergonha de só conseguir dar tão pouco, eu terminei fechando a hospedaria antes de abri-la. Ninguém merece mendigar migalhas. Sei que parece absurdo estar disposta a dar tão pouco de mim, com tanto espaço "sobrando". É absurdo, mas ninguém cabe no lugar que foi seu, e o fato de ele estar vazio, faz dele sempre cheio da sua ausência. Faz dele sempre seu. Ninguém vai morar naquela suíte. Isso não quer dizer que eu não vá dar espaço para alguém, um dia. Com uma boa reforma, afastando as paredes, o espaço disponível pode se tornar muito maior e a sua suíte pode minguar, sem deixar de existir. O problema é que para começar as obras, antes de tudo, eu tenho que entrar no seu quarto. Já tentei algumas vezes, mas sempre termino saindo de lá correndo, porque dói. Dói abrir a porta e ver gravadas nas paredes todas as promessas que eu lhe fiz em silêncio, tanto amor unilateral nos porta-retratos e tanto calor sob os lençóis com os quais eu lhe cobria todas as noites, lhe entregando aos cuidados do seu anjo da guarda, e morrendo de inveja dele, achando-o o ser mais afortunado da criação, só por poder velar a sua vida inteira. Mas um dia eu vou ter força para queimar o forro, botar o colchão no sol, jogar fora os porta-retratos, e derrubar umas duas paredes, para construir outras duas mais recuadas, diminuindo seu ambiente, seu santuário dentro de mim.
Eu precisava lhe escrever hoje para botar isso pra fora. É que às vezes, mesmo comumente não sofrendo mais, eu fico cheia de nós dois até a borda, e preciso me esvaziar. No mais, obrigada por cada riso bobo que você, sem nenhum esforço, estampou nos meus lábios. Apesar do choro, eles também existiram. E acho que valeram a pena. Que amor não vale? Mesmo que a gente não seja amado de volta, alguma coisa a gente aprende e de algum jeito a gente cresce. E por falar em crescer... Teria a maturidade lhe alcançado? Sim, porque eu ainda lhe observo. Mais longe do que antes, com uma frequência ínfima, dando menos relevância aos fatos da sua vida na minha... Mas eu vejo. Força do hábito, talvez. Ou talvez seja verdade que o amor nunca foi coisa que se esqueça.
Eu mudei muito. Mas você também mudou. Para melhor, espero. De verdade, do fundo do coração. Me dá paz ver você bem. Fique sempre assim. De vez em quando - bem de vez em quando mesmo - me dá uns surtos e eu choro. Choro de ver os sonhos que eu tive pra gente se tornando realidade, me excluindo do elenco. Choro de saudade por não poder mais pensar em você daquele jeito, que me fazia feliz com muito pouco, quase nada. Choro por eu ter crescido e ter deixado de acreditar em contos de fadas. Mas no tempo que eu ainda acreditava, quero que saiba, que você foi o conto de fadas mais bonito que eu já li. Bate até um orgulhinho de escritora presunçosa, se eu pensar no aspecto de que a nossa história eu escrevi sozinha. Foi uma bela história, ainda que não tenha se concretizado. Que bom. Porque todo concreto - mesmo o mármore, que é bonito e que brilha - é duro e gelado. E nas nossas páginas, cabe muito calor e muita maleabilidade.
Se só um de nós pudesse ser plenamente feliz, me daria alívio saber que esse alguém é você. E não se trata mais de altruísmo. É que, modéstia à parte (pelo menos uma vez na vida), eu sei que sou mais forte, aguento o tranco de umas tristezas de vez em quando, até preciso delas para me construir cada vez melhor. Das poucas tristezas que eu não suportaria, uma delas seria ter de ver você triste. O resto são os restos... E eu me resolvo com eles. Seja feliz, por favor. Se você olhar pra trás, vez em quando vai me ver à espreita de seus passos, talvez com lágrimas nos olhos, mas sempre carregando um sorriso, que mesmo molhado de água e sal, será sincero.

Sempre com a lembrança do afeto mais belo,
aquela que foi sua, mesmo sem você tê-la aceitado,
Caterina.