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domingo, 31 de agosto de 2014

Contra o vento


Nosso amor nasceu às 15h do dia 28 de agosto. Uma criança forte, corada, saudável. Inesperada, fruto de um descuido e da falta do uso de meios contraceptivos. Uma surpresa, mas ainda assim, muito querida. Medos, receios, pudores, grilos e crises foram ao chão, junto às nossas roupas jogadas num canto do seu quarto. Nossas vidas mudaram para sempre, depois que demos luz ao nosso amor.
E seguimos, mesmo diante de todos os ventos contrários. Era um tufão de negatividade e a gente agarrado um ao outro, pra não se deixar levar. Era tanta gente que a gente amava dizendo que a gente não ia dar em nada, que por amor a nós, tivemos que amar um ao outro mais do que aos outros, para não nos contaminarmos. E até certo ponto, isso doía, porque as pessoas que equivocavam pela vida em relação ao que havia entre nós eram pessoas que nos amavam e queriam nosso bem. Mas ninguém parecia entender, nem aceitar. A face bela, rica em sonhos e carinho e cuidado mútuos do nosso amor só se tinha revelado a nós dois. O resto do mundo não tinha fé na gente: todos diziam que acabaríamos feridos, ferindo, perdendo tempo de vida útil e tudo o mais de frustrante que pudesse haver no campo afetivo existente entre duas pessoas.
Se toda aquela gente estava certa, eu adoro o nosso jeito de dar errado. Nossas frustrações são belas parcerias, dois filhos lindos, uma casa de praia, cumplicidade sem fim e um álbum de fotografias com incontáveis sorrisos estampados. Do tipo sinceros.


Eu tinha dez anos


Tudo na minha vida parece ter acontecido quando eu tinha dez anos. "Eu tinha dez anos" é uma frase corriqueira minha, quem me conhece sabe. Há alguns dias, fiz 22. Mas as minhas histórias mais memoráveis, os causos que mais conto, se passaram todos entre os anos de 2002 e 2003, quando eu tinha dez.
Parei pra lembrar de como foi meu 26 de agosto de 2002. Foi o melhor dos aniversários: o de dez anos. Não teve festa, nem nada disso. Mas eu faltei aula na escola e passei o dia inteiro com a minha mãe. Fomos ao shopping, parque de diversões, depois almoço no meu restaurante preferido. Sempre fui meio ruim de boca, mas me esbaldava naquele cardápio regional. Por ser meu aniversário, eu tinha licença poético-gastronômica pra encher o prato com os olhos. E olha que, como diz um amigo meu, os meus olhos são GRANDES. 
E depois minha família foi encontrar a gente e eu vi todos os meus presentes de aniversário daquele ano ali, na hora que estavam sendo comprados. E voltamos todos juntos pra casa ao fim da tarde, e eu tava tão feliz. Foi uma delícia de dia, o meu primeiro com dez anos de idade. E o ano que se seguiu foi cheio de acontecimentos marcantes, pequenas histórias que eu divido até hoje, 12 anos depois.
Já nem sei bem o que eu pensava pra esse texto quando comecei a escrevê-lo, nem o porquê de eu tê-lo pensado como uma crônica. Mas é isso, mundo: queria dividir com você que quando eu tinha dez anos... Ai, como eu fui inesquecivelmente feliz!

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Aos 15



Odeio momentos assim, quando eu percebo que ainda te amo tanto. Quando minha menina de 15 anos chama a atenção da minha mulher adulta de hoje, e joga na minha cara que sou uma farsa. Minha auto-confiança, minha autoestima elevada... São só a auto-piedade de sempre, disfarçada, escondida atrás de tatuagens, escova progressiva e um bom batom vermelho. Eu tenho uma eterna debutante, congelada e triste, morando dentro de mim. Ela às vezes insiste em me mostrar que não passaram: nem ela, nem você.
No fundo, ainda estou esperando no baile que você não foi. Continuo com o vestido rosa pink bordado pela minha mãe. Continuo sentada com um copo d'água na mão, vendo os garçons empilhando cadeiras, achando que você vai aparecer ali na porta. Mesmo que a meia-noite, da valsa, já tenha passado há 61.320 horas. Sim, eu fiz as contas.
Às vezes adianto um pouco meu relógio interior, e passo de debutante à moça que brinda à maioridade, num piscar de olhos. E a minha eu aos 18 anos está numa festa cheia de gente, apertando um copo de whisky entre os dedos, querendo jogá-lo na sua cara. Querendo, por um minuto, virar Carrie, a estranha, e acabar com seu riso cínico, no fatídico baile em que você foi, três anos depois de não ter ido. Eu com 18 anos, sentindo o dobro da dor, por constatar que as lágrimas derramadas aos 15 foram em vão.
E aí vira uma metalinguagem aguda: eu aos 15, esmurrando por dentro o peito da eu aos 18, que por sua vez, dá unhadas de desespero na parede interna do tórax da eu de agora. Que reajo lavando o rosto, me olhando no espelho e vendo que tenho 15 anos. Por mais que as folhas do calendário tenham se lançado ao vento a cada trinta dias - e isso já aconteceu 84 vezes -, eu continuo com 15 anos, te pedindo perdão por te amar tanto e ser a garota estranha da escola, que nunca estará aos seus pés. Eu fui tantas pra mendigar o seu amor, e nenhuma delas foi do seu agrado. Hoje tenho que ser imensa para abrigar tantas eus em mim. Sou como uma matrioshka russa.
Eu odeio quando a verdade se revela desse jeito, crua, nua, sem pudor. Até as minhas linhas escritas aos trancos e barrancos têm mais sentimento com você no meio, mesmo que sejam tristes. Com você, eu pelo menos sentia dor. É você sair de cena, e eu não sinto mais nada. Eu tenho vinte e poucos anos, mas sou uma menina de 15. Presa no passado. Refém do amor que eu juro todos os dias não mais sentir. Só que eu minto.

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Chão


Eu comecei a me despedir da minha Veneza lentamente. Cada suspiro melancólico que dava no dia-a-dia, dentro do ônibus, era um pedaço de adeus. Eu recebia aquela brisa que vinha do Capibaribe e ficava me perguntando se aguentaria a dor de partir. Sempre odiei despedidas, e em mim, o apego sempre falou mais alto que um monte de outras coisas.
O futuro distante no qual estava a minha vida adulta tinha se tornado presente. Os planos que eu tinha feito pra mim viram chegar a hora de sua execução. Mas agora já não sabia se tinha coragem. Eu, que tanto quis me livrar de tudo que me prendia aqui, agora procurava motivos que me fizessem ficar. Procurava desculpas para não ir embora.
Eu queria crescer e pretendia aprender a fazer isso da forma mais brusca: ficando sozinha, num lugar estranho. Dessa forma, eu enfrentaria todos os meus medos, concentrados num aparentemente único ponto. Mas cheguei a um estágio em que meus pensamentos errantes me fizeram concluir que eu ficaria. Construiria outra vida nova sem mudar de endereço, como já havia feito antes. Percebi que se Deus me desse um amor e um bom emprego, eu não arredaria daqui. Porque não há outro chão no mundo que eu possa chamar de meu.

domingo, 10 de agosto de 2014

Cordeiro em pele de lobo



O moço é bonito que só ele. E deliciosamente perigoso. Um mistério, uma palavra não dita, um olhar que quer valer por uma frase, mas que não vale completamente, porque olhares não falam. Eles nos fazem imaginar coisas, e sempre há uma margem de erro. 
O moço quase nunca diz nada, mas quando diz, chove relevância. Me inunda com aquela voz que é de trovão mas, ainda assim, é suave. Quando estia e o sol aparece, ele se divide em raios solares e queima minha pele. Ele é o calor do verão, a imponência do inverno, o perfume da primavera. No outono, ele é a queda da folhagem, mostrando minha mudança de estação: sou mulher agora, não mais menina.
Um dia eu vou dizer pra ele o que se passa no norte, no oeste e nos países do sul. Vou dizer o que ele faz comigo, sem precisar de esforço. Vou dizer o que ele me causa, só de existir. E então, seremos como nos meus sonhos. 
Dia desses, sonhei que ele era bonzinho e nenhum de seus desvios de conduta existiam, para impedir que ficássemos juntos. Tinha a diferença de idade ainda, mas isso nunca foi empecilho. Isso é lenha na fogueira. No meu sonho, ele sabia ser de uma moça só - no caso, eu -, porque na real era um cordeiro em pele de lobo, e não o contrário. Só que na vida real, ele é mesmo meu avesso. Minha transgressão. Minha quase queda no abismo da falta de amor-próprio. Mas é quase. Porque cafajestice não me assusta, não me surpreende e nem me prega peças. Ele é uma ideia, e vai permanecer sempre ali, no campo da subjetividade.