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sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Como se fosse música


Chegou o dia. Mal posso respirar. Deus, eu preciso lembrar de colocar ar nos pulmões. O zíper do vestido quase não fechou. E eu que tava com medo da roupa ficar folgada, porque nos últimos dias minha alimentação esteve um fracasso. Perco o apetite em situações de ansiedade. Mas de uma forma surpreendente, eu ganhei um quilo ou dois. Sorrio com o canto dos lábios e penso que é porque até a balança vê o bem que você me faz. Você me nutre. 
Hoje é o dia mais feliz e desesperador da minha vida. A imprevisibilidade do que vem depois dá um nó cego na minha garganta. E ao mesmo tempo, é justamente o não saber que me leva a insistir. Porque são sempre cinquenta por cento de chance pra cada lado, êxito e fracasso. Não é assim?
Lembro do dia que você pediu a minha mão. Respondi te dando o corpo, que já era seu há tempos. Meu sim foi quase desesperado de tão lascivo. Nos amamos ali mesmo, no apartamento que hoje está mobiliado e decorado com o nosso jeito, nossa cara, pronto pra nos receber como marido e mulher, depois da cerimônia. Nos amamos naquela casa, à época vazia, que hoje está pronta pra acolher nosso amor em nossa primeira noite de casados. Em seguida partimos para lua de mel e aí retornamos, para começarmos a vida. Voltaremos ao mesmo apartamento para, sob o mesmo teto onde nos amamos daquele jeito tão intenso, criarmos nossos filhos, que virão. Frutos da nossa intensidade e nossa doçura, que eu sei que virão.
Respirar, respirar. Não posso esquecer de respirar. O céu está um absurdo de lindo, e tento entender isso como um recado de bom presságio, enviado pelo destino. Mas o coração insiste em querer sair pela boca, e eu suo frio. É medo. Medo típico de gente que já teve o coração partido em mil pedaços. Medo de quem tem medo de te perder. Mas apesar da agonia, eu quero dizer que acredito no amor que você sente por mim, e sei que é real o bem que você me faz. Você me tirou do meu breu, e só isso já vale um punhado considerável de gratidão. E tem ainda todo esse amor que eu te dou de volta, como que pagando uma dívida de vida. Só que em meio a toda essa reciprocidade que eu vejo, tem um monte de gente duvidando da gente. Talvez não da nossa veracidade, mas da nossa capacidade de ir adiante apesar das fortes ondas de negatividade. E eu tenho tanto medo de, por acidente, me desgrudar de você na correnteza e me afogar. Eu não sei nadar. Eu preciso de você pra me manter sã e na superfície desse mar.
Uma confissão: às vezes eu me fantasio de auto-suficiência e escondo meu ciúme no mais escuro dos meus porões, só pra não fazer você se sentir preso e desconfortável ao meu lado. Porque eu abomino tudo que possa te fazer não querer ficar na vida que pensamos pra nós dois. Eu finjo não ligar ou não perceber, quando tantas mulheres te lançam olhar de cobiça porque, afinal de contas, você é um cara muito sexy e desejável. E no meu silêncio disfarçado de não-ciúme, fico esperando que elas nunca saibam o quanto você é perito em saciar os desejos que desperta. Eu que o diga muito bem. 
Eu te amo com tudo o que tenho e te peço, por favor, me ame com o que você puder amar. Sem cobranças, sem pesos, sem nada que agrida a naturalidade da qual o nosso amor precisa pra viver. Sem amarras. Eu aceito o seu amor como ele é.
Tenho que ir pra igreja. Todas as minhas melhores amigas estão me atormentando via WhatsApp, me alertando pra tomar cuidado com a hora. Você tá lá me esperando e não vou mais me demorar em ir ao seu encontro. Começar a nossa vida. Eu aceito as angústias e as delícias de ser sua mulher. Pago pra ver. Pago pra amar. E quanto a você, peço de novo: me ame. Como se eu fosse música.


Por esse momento eu sempre esperei


É novidade isso tudo. É inédito que eu corresponda. É inédito que seja correspondida. A hora certa parece ter chegado, absoluta e imponente, como o badalar de um relógio antigo, avisando que um novo dia começou. Um novo tempo. É estranho e lindo que estejamos os dois vivendo isso.
Para mim, a primeira vez que tem corpo junto do amor. Para ele, a primeira vez que tem amor junto do corpo. São primeiras vezes de ângulos diferentes, mas são sinceras. Despidas de culpas, medos, e principalmente mágoas antigas. Nada importa muito, quando é o sentimento que não importa pouco. A gravidade se torna só um detalhe banal perto da enormidade daquele tufão de paixão dentro do peito. 
E tudo que me acontece eu quero contar pra ele. E o que não me acontece, eu quero contar também. Como se eu sentisse que nenhuma outra pessoa no mundo me entende tanto, me acolhe tanto, e muito menos me protege tanto assim. Nos braços dele está a segurança que eu busquei, sem encontrar em lugar nenhum.
Nos entendemos, nos acolhemos. E escolhemos um ao outro para sermos assim, um para o outro. Nem nos meus melhores sonhos, viver tinha um gosto tão bom assim. É uma mistura de todos os sabores agradáveis ao paladar, só que na alma. Estou leve. Estou feliz. Depois de tanto murro em ponta de faca, posso dizer que consegui fazer do meu coração um cantinho quente, limpo e perfumado, para o amor morar.
E ainda tem a parte das delícias auditivas: a trilha sonora. Ondas que invadem os ouvidos, vibram por todo o corpo e trazem sorrisos bobos aos lábios. É inebriante cantar - e ouvir! - uma música de amor colocando toda a sua verdade nela. "Andar de mãos dadas na beira da praia, por esse momento eu sempre esperei". Ah, Caetano, como eu quis ver chegar o dia em que ia cantar essa sua canção com gosto e fé. Eles chegaram, enfim. O dia e o meu amor.

domingo, 16 de novembro de 2014

Amor gramatical

Eu não soube que era você por causa do sorriso torto ou da voz sedutora. Não foi a sua facilidade em ser um homem naturalmente atraente que me fez perceber que era você, e não qualquer outro. Não foi por causa da minha crescente confusão quando estou ao seu lado que eu soube. Não foi a síncope cada vez que você telefona. Não foi o frio na barriga ou o coração acelerado que me disseram que era você o cara, e não qualquer outro neste mundo. Poderia ser qualquer um: meu vizinho, o carteiro, o cara que pega o mesmo ônibus que eu todas as manhãs, Seu Manoel da padaria. Podia ser qualquer um, mas é você. Todo torto, todo errado, todo minuciosamente traçado e pensado pra mim.
Eu soube, quando dentre todas as suas falhas, relevei principalmente o seu português ruim. O não saber conjugar o verbo “vir”, em qualquer outro ser humano, me irritaria profundamente. Me irritar mais do que isso, só o fato de você parecer ignorar que o verbo viajar é com j, mas viagem, o substantivo, é com g. E quer saber? Eu não me importo. Porque a gramática é ruim, mas o papo tão bom!
Eu costumo perder amigos e não as correções ortográficas. Mas deixo passar os seus deslizes gramaticais todos, porque me recuso a perder você. E, acredite, em se tratando de mim, fingir não reparar na ausência de coesão da sua escrita é uma grande prova de amor.

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Fica

Eu ando com síndrome do pânico ao ver o telefone tocar. Ao ver mesmo, não ouvir. É que meu celular acende os ícones do display quando vai tocar, antes de tocar. E aí pronto: basta ver aquelas luzinhas brancas que meu coração dá saltos mortais pra ginasta olímpica nenhuma botar defeito. Até que acende a tela toda e aparece um nome qualquer na bina, que não é o seu. Semi-síncope em vão. Tenho tido isso recorrentemente e assim têm sido os meus dias.
Tudo porque você disse que me amava. Mas você fez questão de dizer que me amava tanto, mas tanto, que sabia que eu merecia muito mais. Você disse que deseja pra mim que eu seja muito mais feliz do que você pode me fazer. Me falou do amor, inundado de consciência, que sabe que eu mereço mais. E eu fiquei aqui no meu canto, querendo que meu merecimento minguasse, só pra você caber como uma luva nele, sem folgas, sem espaços vazios.
Aí foi quando você começou a falar que eu me conformo fácil com as coisas e que preciso aprender a olhar pra dentro, reconhecer o meu valor. Eu preciso de alguém que acabe com essa minha mania feia de me contentar com migalhas, como se fossem suficientes, como se fossem o bastante. Não são.
Você fala de mim como se eu fosse uma pessoa tão bonita e boa, e fica tão zangado por eu não concordar, que chega quase a me convencer de me amar mais. É a condição pra você ficar? Se eu gostar mais de mim, você vai se sentir melhor para me dar esse amor que tem aí no peito? Esse amor, que você diz que é pouco, mas que é o amor que eu quero. Não se trata de merecimento. Se eu amar a mim mesma como você me ama, você me deixa te dar todo esse meu amor pra você em troca?