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segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Perdidamente salva

Andei querendo me deixar levar. Mergulhei de cabeça no mar, porque descobri que não tem correnteza que me leve se eu ficar parada na areia. E me lembrei que não sei nadar. Mas quando a gente quer, dá um jeito: se debate, arruma uma boia, se mantém. Eu até refleti antes de entrar na água, afinal ir para o mar sem saber nadar é uma temeridade. Aí uma voz aguda sussurrou no meu ouvido que "viver é sempre uma temeridade". Para o meu bem ou o meu mal, ouvi a voz. E me larguei nos braços das ondas.
Engoli muita água, voltei para a areia em agonia e mudei de metáfora. Ao invés de mar, terra firme e pé no chão. Várias estradas à minha frente, e eu sem mapa que me guiasse. Mas "viver já é uma temeridade". Fui. Errei o caminho, peguei um atalho torto: ele não dava onde eu queria ir. Mas o mundo nem acabou, acredita? Isso me surpreendeu, porque eu achava que essas coisas doessem.
Me enganei porque atrás dos belos arbustos de onde eu pensava que vinha o canto dos pássaros, não tinha nada. Nada do que eu procurava, pelo menos. Veio a noite e ficou escuro, mas surpreendentemente, nem medo eu tive. Se na hora estava escuro e não dava para seguir viagem, eu ainda podia sentar e olhar as estrelas.
O mundo não acabou, lembra? Cedo ou tarde tem que amanhecer de novo e o sol há de vir. E quando tudo estiver claro novamente, vou poder mudar de estrada. E me perder quantas vezes for preciso, até chegar onde eu quero. Não tenho mais pressa, nem desespero, nem medo. Porque ouvi dizer por aí que Deus não demora, não. Ele capricha!

domingo, 29 de janeiro de 2012

A dor do nunca

Fui nocauteada pela força de um rinoceronte. Mas não vou chorar, não. Seria infantilidade chorar pela falta de uma coisa que, mesmo antes de se começar a querer, se sabia que não teria nunca. Quando o anjo e o demônio (que pairam cada um sobre um ombro meu) me sussurraram que eu queria, já era do meu conhecimento que não dava pé. Alimentei o mergulho em busca de distração, querendo ter nas veias a adrenalina que há muito me faltava na vida. Mas não sei nadar. Me afoguei.
Cansada de ser inerte, resolvi brincar. Agora sei que quando brinco é quando mais saio machucada. Sou como uma criança travessa, que não consegue sair para brincar na rua e voltar ilesa: tenho que levar de prêmio ao menos um joelho esfolado. De uma forma ou de outra, o sangue acaba escorrendo, porque sempre tem que ter dor. Me odeio ao perceber que involuntariamente eu procuro por isso.
Quando não havia mais onde buscar algo pelo que sofrer, fui procurar o sofrimento mais absurdo e insano. Agora tenho um homem cantando dentro da minha cabeça, e a sua voz faz um líquido salgado me escorrer dos olhos, acariciando minha face. Sei que eu disse que era infantil chorar, mas não há como guardar esse mar todo em mim. E não pense que choro de inveja, ou por almejar uma vida que não é minha. Meu único fracasso é esse dom desgraçado de não conseguir querer aquilo que minhas mãos alcançam. É essa pesada virtude de ter que me doer para me viver plena.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Classificados: aluga-se um coração

Parece que você está de novo amor. Ou novo alvo. Ou nova vítima. Que seja, porque ao que parece, pela primeira vez eu não me importo. A ausência de ciúme me mostrou que o que me prendia a você era só apego. Era qualquer coisa, ainda que gosto doentio pelo sofrimento, mas não era sentimento. O que eu sentia por você já está longe demais, agora eu sei.
Procuro ainda coisas sobre a sua vida por puro hábito, mas no fundo, já faz tempo que não faz diferença. Me preocupei recentemente que você pudesse reaparecer, destruir a vida nova que construí minuciosamente. Não havia me dado conta que você não tinha mais poder sobre mim. Sim, porque se um dia eu estive sob o seu domínio, foi porque me permiti. Você não nasceu ditando regras sobre a minha vida. Tudo que você me causou de bom (e principalmente de ruim), foi porque eu me coloquei nas suas mãos. Eu teria caído fora há mais tempo, se tivesse percebido antes que o amor fez com que eu me emprestasse a você, mas que eu nunca deixei de ser dona de mim. Se quem dá, toma, imagina só quem empresta! Era só me tomar de volta e fim de papo.
Você foi por muito tempo meu inquilino. E daquele tipo que deixa o imóvel destruído e sempre está devendo o aluguel. Eu fui uma proprietária benevolente, que mesmo enquanto você fazia o meu coração em frangalhos, implorava que você jamais se mudasse dele. No fundo eu mereci tudo que chorei. Interpretei o papel de mocinha vitimada por tempo demais e me acostumei com ele. Chorava pelos cantos lhe pintando de bandido e orgulhosa do amor incondicional que trazia em mim. Queria me livrar de uma praga que eu mesma tinha me rogado, mas eu sempre fui meu próprio antídoto. A chave do imóvel sempre foi minha.
Ou melhor, não se tratava de um imóvel. O objeto de negociação era um músculo palpitante, que tem por endereço o lado esquerdo do meu peito. Vulgo meu coração. E numa das batidas violentas, você perdeu o equilíbrio e caiu para fora dele, não suportou minha intensidade. Agora que acabaram-se os atos e as cenas, vou lhe mandar uma real nos bastidores. Acabou a brincadeira e o teatro: você é medíocre demais para o papel de vilão e eu cansei de fazer a mocinha. Rasgo na sua cara o script dessa história melosa (que eu mesma escrevi) e também o contrato de aluguel. Na minha vida sou escritora, diretora, proprietária, maestrina que rege a orquestra. A banda toca do jeito que eu mando e o seu estilo musical nada tem a oferecer para minha voz. Você está fora, campeão, e a última palavra é minha.
Depois de uma bela reforma, o apartamento já está pronto para receber uma nova placa de "aluga-se". Ando mais bonita por dentro e por fora desde que você se foi, e por isso mesmo ando também mais cara. No novo contrato, excluí a cláusula que garantia altruísmo e devoção cega de minha parte. E adivinha... O pré-requisito principal para se candidatar à vaga de inquilino é não ser você. É não ser moleque, como você. É ser tudo que você não é e nem nunca vai ser: um homem.


sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Mutável

É como se meu mundo novo tivesse ficado velho e sem brilho. E agora uma vida nova se põe na minha frente com um convite tentador. E se isso for mesmo o resumo de tudo o que eu preciso? Muitas coisas mudaram lentamente até aqui, é verdade. Mas no momento presente, dependendo das minhas escolhas, posso mudar tudo de novo. Mudar mais e de uma só vez. Talvez mudança pouca seja bobagem e eu precise me lançar.
Sair da casa da família, ir morar numa outra cidade, sempre me pareceram decisões assustadoras pelas quais eu jamais optaria. Agora eu anseio por elas e ainda vou além: hei de juntar corpo, alma, coração, escovas de dentes e trapos com ele. Porque ele foi o meu coeficiente encorajador nessa empreitada maluca de trocar de sonho. E no fim das contas é amor por ele mesmo, isso que tem batido junto do meu coração, cá dentro do meu peito. Amor por ele e por tudo que ele está disposto a abraçar comigo e por mim.
Tenho sentido encantamento por outras coisas. Talvez eu tenha vindo pelo caminho errado, ou tenha só mudado de ideia. Trocar de sonho é bem difícil. Principalmente quando se tem de largar algo que se lutou com unhas e dentes para ter. Brigar por algo e quando alcançar esse algo deixá-lo por falta de tesão é sentir-se uma contradição ambulante, vagando pela vida. Mas o ser humano é passível ao erro, e eu posso ter me enganado na conjugação do verbo querer. Isso não precisa ter um valor catastrófico.
E se eu simplesmente não quiser mudar o mundo? Se eu achar que apresentar às pessoas o mundo sem máscaras é mais do que eu possa fazer? Se eu simplesmente não quiser formar opiniões, para poder usufruir do direito de ficar confusa ao formular os meus próprios pensamentos? E se eu não quiser levar uma vida tendo a obrigação de ser sempre séria, inteligente e culta? É crime? E se, como me disseram uma vez, só a arte puder me contentar? É feio, é pecado, burrice? Ou será que todas essas interrogações não são nada além da minha humanidade gritante, ansiando por felicidade?
O caminhão de mudança chegou. Vou levar as minhas coisas lá fora e mudar de rumo outra vez. E se amanhã eu perceber que me enganei de novo, que seja. Outras estradas existem para andarmos por elas. Porque não acredito que seja insano ir habitando mundo por mundo, até achar um onde eu queira realmente ficar. Volubilidade, meu caro, é ingrediente primordial para vida plena. E só quem se atreve tem coragem de acrescentá-lo na receita. De todas as minhas decisões, perder o medo de atrever-me foi a melhor.


domingo, 1 de janeiro de 2012

Entenda-me quem puder

Estou mergulhada no tédio das horas que se arrastam sobre os ponteiros do relógio, produzindo um "tic-tac" ensurdecedor. Trancafiada num quarto onde o ar circula de mal jeito, fazendo com que eu me sinta abraçada com o sol em pleno verão, olho para a minha vida vazia, na qual você não se insere.
E submersa pelas ondas invisíveis, geradas pelo tempo uivante, me lanço na serenidade e me convenço de minha própria solidão. E ao me convencer, descubro docemente em que consiste o amargo mistério: ser só é fator inerente à minha existência. E aí eu caio.
Não caio de dor, nem de susto. Caio pela mesmice das coisas. Caio pela sensação de dormência e pelo não-sentir. Caio porque sem ver, me lancei em mais uma realidade inventada. Caio porque de realidades de papel é que se tem construído a minha história, e eu nem tinha me dado conta. Conta. Você é mais um entre os meus incontáveis faz-de-conta, que minha mente criou para fugir do tédio; e que meu coração acreditou, por ser tolo. Impossibilidade e paixão caminham de mãos dadas em minha linha do tempo, e não há no mundo quem as separe. Estabelecem uma dependente relação de coexistência. Como a solidão e eu.
Mas se em tudo que é ruim existe o lado bom, no meu vazio também há preenchimento. Porque para a minha arte melancólica de ser só, encontrei uma plausível justificativa. Meu coração não pulsa para eu viver, ele pulsa para sonhar. E assim busca do amor justo o impossível, para não ter de acordar... Para não ter de ver o sonho se desfazer, explodindo em realidade. O que eu quero não tem nome, nem forma, só distância. E desde que o mundo é mundo ainda não vi amanhecer o dia que eu desejei algo ao alcance de minhas mãos. Porque eu vivo de querer, e o querer se perde quando surge o ter. Por isso que sempre ao compor meus contos, como ato obrigatório e mecânico, antes de todo "ter" eu escrevo um "não".