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terça-feira, 31 de agosto de 2010

Pretérito

Eu queria um poema que me bastasse. Queria um lugar onde com minhas palavras, eu pudesse depositar todo esse amor ainda existente. Queria poder me esvaziar completamente desse sentimento que domina minha alma, que me desestabiliza tão profundamente. Queria tranformar tudo em palavras, frases, texto, e deixar ali, guardado a sete chaves. E que assim, com tal sentimento fora de mim, eu pudesse ter paz. Eu visse o fim de tudo.
Minha mudança tão clara, simples e óbvia se faz um tanto quanto nula quando as lembranças tomam corpo e aparecem diante de mim. O chão me some sob os pés, as palavras me somem da boca. É o passado que me visita, passa sob minha vista com o intuito de me mostrar o quanto é presente, ainda. Vem inutilizar todo sentimento de vida nova.
O coração pára, o sangue deixa de circular por um minuto. Depois tudo volta, num ritmo inusitadamente frenético. É o pretérito me pregando peças. E depois me deixando só, no chão.

sábado, 28 de agosto de 2010

Recaída


No príncipio de tudo, era você: presente nas brincadeiras sórdidas, que eu costumava odiar. Continuou sendo você quando em mim despertou-se o dengoso e tímido jeito de gostar do que os terceiros falavam. Permanecia sendo você quando gritei silenciosamente ao mundo que eu havia me apaixonado. Ainda era você quando o mesmo mundo me viu com o peito aberto, sangrando. E era você também, quando dei as costas e fui buscar a felicidade em outros lugares e pessoas. E mesmo quando eu parecia tão feliz e auto-suficiente, ainda era você. E agora ainda é você, mas não mais sozinho: somos nós. E enquanto for eu, for você e formos nós, a felicidade não caberá em mim, de tão tamanha. Porque de tanto ser você, me veio uma tal desconfiança de que você sempre será. Até que meu coração pare, e também depois. E de tanto ser você, hoje sou saudavelmente também eu, para sermos nós, então.

domingo, 22 de agosto de 2010

Oração

No mesmo canto de seu quarto onde nas escuras e frias noites entregava a Deus a vida de seu amado, agora seus versos em prece eram outros:
"E minha vida, no fim das contas, tem sido muito mais feliz sem ele. As coisas têm estado muito melhores pelo fato de eu estar vivendo num mundo onde ele não existe, onde as pessoas que me cercam não o conhecem. Às vezes eu vejo as marcas e me pergunto: 'O que deu errado?'. Mas logo isso passa. As novas e empolgantes possibilidades que me rodeiam não permitem que eu me disperse delas por muito tempo. E um dia, quando as cicatrizes não mais me incomodarem, vou olhá-lo de longe e dizer mentalmente: 'Eu sei viver sem você!'. E ele, ao me ver cada vez mais distante (e quanto maior a distância, mais feliz eu estarei), vai cair em si: 'O lugar que eu tinha na vida dela, já não é meu. Ela sabe viver, e vive muito melhor, sem mim...'. Obrigada antecipadamente por isso, Deus. Amém."
Era uma prece de menina,
Tão pura e singela.
Que depois que o encanto termina
Não pede por ele, mas por ela.
Com corpo em demasia cansado
Ela viu a hora de partir
Já não chorava pelo seu amado
Mas ainda não conseguia sorrir
Pedia a Deus, em oração
Que do seu verso surgisse prece
Pedia paz ao seu coração
Enquanto dele ainda não esquece.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

O novo ou um novo?

A ideia de que aquele flerte unilateral se tornasse mais uma de suas histórias de amor a perturbava. Positivamente. Negativamente. Era uma confusão já estabelecida.
Ora, até ali ela já havia mudado bastante, se reinventado. Deixara pra trás tudo aquilo que um dia lhe tinha feito chorar. Inclusive ele. Ela tomou a decisão de não mais carregá-lo nas costas, de uma vez que ele já pesava em demasia.
Se via pronta para viver um momento só dela, sem buscar novos amores ou suspiros. Até que inusitadamente alguém lhe despertara o interesse. E mais que isso: o desejo.
Mas se via confusa demais para assim, tão cedo, dizer "sim" ou "não". O amor passado ainda não era passado de fato, e as feridas que ele lhe deixara não estavam cicatrizadas por completo. Algumas ainda doíam. Mal havia voltado à superfície depois de mergulhar durante quase quatro anos. Não sabia se tinha fôlego suficiente para mergulhar em outra história.
Queria, mesmo, libertar-se do passado que lhe roubara os sorrisos. Mas não queria outra incerteza. Estava cansada de sofrer. Tudo o que ela precisava era de mudança. E ela, por si própria, já estava mudando. Aquela poderia ser mais uma de suas histórias de amor. No entanto, na profunda metamorfose pela qual estava passando, tudo que ela menos precisava era de mais uma daquelas histórias. Uma história igual às outras, nesse ponto, não ajudaria em nada. Ela precisava da história, aquela que fosse tão diferente quanto ela estava agora. Ela já não era mais igual, não poderia amar igual.
O sutil desejo (que mesmo um tanto quanto carnal, se fazia puro dentro dela) lhe apontava a possibilidade de gozar do êxtase do princípio da paixão: fase doce, da qual ela sentia saudades. Mas o mesmo desejo entrava em contraste com o medo de que fosse tudo igual. Não poderia ser. Ela não tinha mais o direito de (querer) sofrer demais por alguém. As feridas de outrora, ainda perceptíveis em sua alma, lhe amedrontavam: não queria o mesmo filme. E se aquela fosse a história de que ela precisava, para se sentir, então, uma mulher? O que se havia a ganhar? O que se havia a perder? Nem ela sabia...
Poderia ser o novo amor. Mas e se fosse mais um?

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Ela estava num lugar onde a lembrança dele não mais a perturbava. Porque ali, onde ela estava, ele simplesmente não existia. Não viveria mais sendo assombrada pela sua presença silenciosa: quando estava tudo bem, ele sempre lhe aparecia e aprontava. Agora, ele não teria como aparecer. Não ali, naquele refúgio de vida nova.
Que ela o havia amado durante todo esse tempo, não havia dúvidas. Foi uma doação completa, pois ela havia doado até o que não tinha pra dar. Sofreu em silêncio e resignada. Nunca sentira algo tão puro e intenso por mais ninguém. Seria capaz de tê-lo amado devotadamente por toda a vida, se não estivesse cansada demais de chorar. A hora de pensar um pouco nela havia chegado.
Não que o amor houvesse perecido, mas era que ela precisava sorrir. Sempre sentiria algo por ele. Sempre teria saudades de quando ele era somente aquele que ela amava. O pensamento de que ela poderia ter amado a um personagem, fazia com que a pobre moça se contorcesse de dor. Não queria acreditar que fora, tanto tempo, apaixonada por uma mentira. O fato é que amava aquele, daquela época inicial. A pessoa na qual ele havia se transformado, e quem era hoje, não a interessava. Ao contrário, ela sentia uma certa repulsa. Culpava aquele desconhecido ser pelo sumiço do amor de sua vida.
Mas era hora de andar para frente, e era isso que ela estava fazendo. Repetia para si, tentando não ver os acontecimentos como tragédia: "Foi um belo amor, enquanto saudável. Ao menos, rendeu-me bons poemas."