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segunda-feira, 18 de junho de 2012

Mais leve que o ar


Sair de casa naquela tarde não foi lá uma coisa simples. Eu ia ver o mundo lá fora pela primeira vez, depois que foi determinado que sentimentos em mim deveriam ser modificados. Respirei fundo e passei pelo portão do meu prédio. Ainda na calçada de casa eu percebi que os ares estavam diferentes. Mas mesmo assim fui. Não por coragem, mas por falta de opção.
Eu ainda nem tinha atravessado a primeira rua quando um carro igual ao seu me passou pela vista. Murmurei. O pior é que carros como o seu são comuns pelas avenidas da cidade. E eu não consigo misturá-los aos demais modelos de automóveis. Até eu chegar ao meu destino, muitos carros daquele passaram por mim. Quis explodir cada um deles, simplesmente por não conseguir misturá-los às intermináveis filas de carros naquele trânsito congestionado. Fora isso, tinham também as sensações mais implícitas. O perfume, por exemplo. A cada cheiro que eu sentia e que pudesse me lembrar o seu cheiro, eu fechava os olhos e desejava que minhas narinas queimassem, se preciso fosse, para que eu pudesse mantê-lo longe de minha mente. E de quebra, todos ao meu redor pareciam saber... É como se as pessoas me olhassem com um ar de piedade, tendo o conhecimento de que mais uma vez eu estava sendo amorosamente desafortunada.
No ponto de ônibus, a calçada estava sendo lavada. Eu quis, por um momento, ser como aquele concreto que era rudemente acariciado por um forte jato d'água, que fazia escoar até a galeria mais próxima a sujeira impregnada no cimento. Eu queria escoar você, queria me livrar. Mas me faltava água, ou me faltava força. Eu não estava depressiva, nem nada. Mas estava estranha. Como eu disse, os ares tinham mudado.
Cheguei ao meu destino. O carro estava parado lá. Sinal de que você também estava ali. Me esforcei para não fitar o automóvel, como se olhá-lo significasse olhar diretamente para você. E era mesmo isso que acontecia, porque aquele bendito veículo fazia meu coração palpitar. E faz... Mesmo hoje, mesmo eu passando com o rosto virado para o outro lado do estacionamento.
Por sorte, não lhe vi. Mas imagino que embora minha cabeça saiba que a improbabilidade de haver algo entre nós se transformou em impossibilidade definitiva, as sensações que você me desperta ainda não mudaram. A razão sabe, mas é como se o corpo e a alma brigassem com ela, insistissem nos quereres. Já era confuso, agora é mais. 
Não sei dar um nome a esse novo conjunto de ideias e coisas que me batem quando o assunto é você. Aparentemente, eu não me importo. Não faz diferença que você tenha alguém, porque isso parece não me deixar tão triste. Já era improvável, agora é impossível... A mudança na condição não é tão drástica. A minha maior dúvida é: se eu realmente não me importo, por que não consigo simplesmente misturá-lo aos outros? Por que tenho sonhado (dormindo) ainda mais do que antes? Não sei. E dizem que "não saber o que se sente não é o mesmo de não sentir". Ótimo. Muito esclarecedor. A impressão que tenho no fim das contas é que quando se é jovem, como eu sou, e um homem de verdade passa pela sua vida (ainda que passe só com os olhos, como você) os garotos com os quais se está acostumada a lidar perdem a graça, e desta forma, nada, absolutamente nada, será como antes quando se trata de sua afetividade.
No meu caminho de volta começou a chover. Quando desci do ônibus, a chuva engrossou. Eu não queria muita coisa além de ficar andando sob a chuva, ouvindo aquela música que ecoava na minha mente... Queria caminhar sobre o concreto molhado (que me lembrava a calçada lavada da ida) até que você escorresse para fora da minha existência. Eu ficaria ali, andando, pensando, gastando sua imagem na minha cabeça e não passaria de volta pelo portão do meu prédio até você ter ido embora de vez. Mas aí fiquei com medo de nunca mais voltar pra casa. Entrei.

sábado, 16 de junho de 2012

Confissão


Helena,
Sua última carta me deixou bastante feliz. Acompanhei a história desde o início, desde quando nem se podia dizer que tratava-se de uma história. Vi esse sentimento brotar e tomar forma dentro de você. Me sinto alegre ao vê-la tomando posse disto, assumindo o que sente, "sem nojo nem medo". E não precisa me agradecer. Fiz o que tinha de ser feito... Deus se encarregou do resto. Estou ansiosa para saber do desenrolar de seus próximos capítulos, já que minha própria história teve de ser interrompida em plena pré-produção. O fim da linha veio antes mesmo do começo. Melhor assim, não? É mais fácil deixar antes do apego estar completamente instalado. O difícil mesmo vai ser atravessar os dias conturbados pelos quais tenho passado, sem poder contar com minha distração, minha garantia de sorrisos e suspiros gratuitos, que por alguns momentos fazia a carga em minhas costas parecer mais leve.
A carta caiu para fora do baralho. Eu sempre soube que se tratava de um naipe que não completaria meu jogo, ou sempre fingi saber. O que eu queria mesmo era que ela tivesse se convertido numa carta coringa preenchedora de vazios, capaz de me conceder a vitória em uma única partida que fosse, só para variar. Mas nem sempre o que a gente quer é o que a gente pode. Eu por exemplo, sou mestra em querer o que as mãos não alcançam.
Confesso que me surpreendi com minha própria reação. Eu que sempre jurei estar numa posição segura, me  soube vulnerável e envolvida quando doeu. E não deveria ter sido assim. Chorei. Não sei se pelo fato em si, ou pela bagunça que tem sido feita na minha vida, de modo geral... Só sei que chorei e me assustei por ter chorado. A notícia de que ele agora tem um compromisso assumido me veio justo no final de um dia ruim, onde muita coisa já não tinha dado certo. Isso pode ter contribuído. Ou eu posso estar falando isso para mais uma vez botar panos quentes e tornar as coisas menores e menos importantes do que realmente são. Mas nem importa mais... Sendo grande ou pequeno vai passar. Passei por uma experiência amorosa realmente traumática e hoje em dia, a tragédia tem que ser legitimamente grega para me lançar ao chão. Tanto, que desde de Beralto eu não chorava por causa de alguém... Foi a primeira vez. Isso me dá uma sensação de dejávù terrível, como se meu amor antigo tivesse me voltado justo em uma de suas faces cruéis.  Não digo a mais cruel, porque não acredito que haja algo que se compare. Enfim, bobagem da minha cabeça.
Mas está tudo bem. Lembra que eu lhe disse que uma boa noite de sono resolveria? Bem, não resolveu porque não houve muito sono. Foi uma noite conturbada. Despertei diversas vezes, como que procurando alguma parte que me faltava. O vazio no meu peito nunca deixou de existir, mesmo quando eu me permitia pensar naquele moço. Mas agora esse vácuo me parece um pouquinho maior. Deve fazer parte. Meu plano da vez é procurar alguma outra coisa que me distraia, não necessariamente um cara. Eu já estava mesmo precisando de algo que me roubasse a tensão desses últimos dias, agora preciso em dobro. Necessito de leveza, e preciso trabalhar minha mente não para esquecê-lo, mas para deixar de olhá-lo e desejá-lo como tenho feito. Preciso misturá-lo aos outros e deixar de destacá-lo na multidão. Sei que vou conseguir em algum momento. Sei que vai ficar tudo bem. De um jeito ou de outro, sempre fica. A classificação indicativa do filme não era favorável para mim. Sem traumas. Mas não quero saber de cinema por enquanto.
Com amor,
Caterina. 

P.S.: Sim, enfim, também confesso: estou apaixonada. Do verbo não estarei mais.


sexta-feira, 15 de junho de 2012

Aquilo que é muito grande para ser dito

Hoje o que eu preciso mesmo é lhe falar das coisas boas e reais que você me trouxe. Precisei lhe escrever, para tentar fazê-lo perceber o quanto sua presença em mim se fez preciosa e necessária. Quero que você tome conhecimento, do meu próprio punho, já que as coisas parecem tão grandiosas para serem oralizadas. Falar que lhe amo todos os dias, todos os momentos, não é suficiente. Não consegue mostrar a dimensão dessa coisa que transborda, invade, queima, gela, arde... Dá sentido à vida.
Eu ainda estava no chão quando você apareceu. Eu ainda era um bicho amuado, cansado, ferido e com medo. Até que seus olhos me despertaram a vitalidade. Não aquele vigor de sempre, mas uma nova vontade, um novo jeito. Você trouxe uma nova "eu" ao mundo. Eu, lagarta, queria deixar meu casulo. Me debatia, sem conseguir. Por uma fresta eu lhe via parado, observando ao longe minha evolução (ou a ausência dela). Não entendia porque você se limitava a olhar, me indignava o fato de você não me ajudar a romper aquela casca pela qual eu estava envolta. Mas hoje eu sei. Borboleta que não briga pela própria libertação não tem viço, nem brilho, nem força, nem cor. E quando chegou minha hora, rompi o lacre de minha prisão, ganhei os ares. Foi quando recebi a bênção de você me pegar para si. Eu, recém-metamorfoseada, estava agora pronta para, em seus braços, ser (sua) mulher.
Não digo que você me tenha mudado. Talvez você só tenha me ajudado a me descobrir. Com você do lado o mundo não parece mais assustador e o céu é mais atrativo aos meus olhos do que os meus próprios pés. Vento no rosto é carinho, chuva na janela é canção, pôr-do-sol é pintura à óleo, noite de lua cheia é obra de arte, namoro no banco da praça é ternura, filme de romance na madrugada é suspiro, dividir o mesmo guarda-chuva é aconchego, seu rosto passeando em meu pescoço é arrepio, seus lábios grudados nos meus é certeza de que viver vale a pena, me jogar nos seus braços depois de um trovão é segurança, e sexo... Antes de ser prazer é beleza, porque é entrega.
Ser casal é mais que um par de alianças e mais que dividir o mesmo teto: é saber ser um só quando ri e quando chora. E saber que se é um, mas sempre formado por dois, porque a individualidade, em certos momentos, não se desfaz. Ser casal é respeitar o espaço do outro e o espaço que os dois têm em comum. Ser casal, de verdade, é ser o que nós dois somos. É trocarmos olhares de cumplicidade quando estamos brilhando e parecermos ainda mais apaixonados na hora do cansaço, das caras lavadas (com olheiras e tudo). É desistirmos de brigar pelo cobertor de madrugada porque nossos corpos bastam para aquecermos um ao outro. É, por vezes, nossa cama ser nosso mundo e nosso apartamento nossa galáxia. É eu ter meus dilemas e exaustões encerrados quando tenho você dentro de mim... Física, emocional e sentimentalmente. Ser casal é ouvir juntos, às 4h30, esse chorinho no quarto ao lado e sorrir, e embalar essa vida nova que geramos, porque é próprio do amor germinar.
Amor é aquilo que eu sabia que existia, mas só aprendi mesmo com você. Amor é se irritar de vez em quando, mas não querer viver sem. Amor é você me ensinar a ser mulher e eu te fazer um menino, quando preciso. É sermos adultos, crianças, velhos... Tudo junto. Amor é carne, é pele e é olhar. Amor para mim é você e nós dois morando um no outro. Amor é a certeza de que Deus existe e também me ama, que bate costurada, atada, grudada à carne do meu coração quando você me olha e sorri.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Irritada. Apaixonada.


Não bastava ele ser bonito. Tinha que ser sedutor, cordial, educado, cavalheiro. Tinha que ter uma voz envolvente e um olhar despretensiosamente penetrante. Tinha que me ganhar nos mínimos detalhes sem se dar conta. Tinha que ser perfeito, só para me deixar irritada. E tinha que me irritar para que as coisas tivessem mais graça.
O meu sinal interior de que estou ficando entregue não são os sonhos constantes, os frios na barriga, nem os suspiros. Sou incomum e é na irritação que começo a perceber que um cara tem ocupado espaços dentro de mim. É naquela raiva repentina - que vira ternura em segundos - que eu gosto de alguém.
É maluquice, mas que eu saiba, o amor nunca foi são. Se no fim do dia um sorriso bobo vem se deitar no canto dos meus lábios, quando o sol desperta viro a birra em forma de gente: chamo nomes nada gentis, aperto as unhas contra a palma da mão, trinco os dentes e me mordo para não explodir. Mas sempre explodo. E quando explodo me viro do avesso e a doçura volta. E depois o ódio vem. E segue sempre assim. 
É nos pequenos repúdios que mais amo. Porque a ternura sozinha não sabe inflamar. E chama, para se manter, precisa se alimentar de coisas inflamáveis. Amor é fogo, você sabe. Não sei se isso faz de mim um paradoxo ambulante, mas os caras que mais odiei foram os mais amados. E isso me faz pensar que, na vida, as melhores coisas se formam a partir de uma relação de amor e ódio. Equilíbrio, enfim.
Amor é uma ceia interminável, que chega no fim e sempre recomeça. Um verdadeiro rodízio de sensações e sabores: tem sal, pimenta, amargor, acidez, passando pela doçura da sobremesa e voltando de novo à entrada. E felicidade, euforia e fantasia se revezam no posto de prato principal.
Ódio não é oposto do amor, não. Dependendo do caso, é até complemento, extensão, tempero. Só com doce não se faz refeição. É por isso que me irrito. Para não deixar nunca de infl(amar), de(gustar)... Sentir.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Trinta e cinco graus


Já comecei este texto de várias formas. Escrevo, escrevo, escrevo... E apago. Incomum. Eu que sempre fui tão íntima da escrita, me vejo sem palavras. Inusitado. Pensei em começar lhe descrevendo, dizendo o que sinto, falando sobre o que você me causa. Mas aí tudo fica parecendo pequeno, diante do tamanho que você me parece ter. E não pense que isso é poético, porque para mim é assustador.
Parece que errei a mão, perdi a manha do amor. Se bem que com você, a manha que eu tinha com certeza não iria servir. Manha infantil, amor doce de menina. Isso agora que está me batendo (mesmo eu jurando de pés juntos que amor não é) é diferente... É avesso a tudo que conheci ou sonhei conhecer. Foge dos padrões que imaginei para minha vida. Foge do roteiro de todas as histórias que um dia inventei.
É diferente porque, à sua forma madura, é maior. E não digo que seja maior por ser mais insano, mais avassalador... Sei que é maior porque vem me atingindo áreas antes inabitadas. Partes de mim que eu mesma desconhecia.
Não sei bem do que se trata. Sei que a probabilidade desta história não terminar bem é imensa, quase que uma verdade universal. Mas não sei onde termina. No fundo, sei que começou. Mas nego. E nego porque crescer dá medo. Sim, crescer. Porque se apenas com os olhos você conseguiu despertar a mulher adormecida dentro de mim, temo o que poderá me causar seu toque. A perdição salvadora, certamente. 
Você é o esconderijo onde de tão perdida, me sinto encontrada. Pecado que - não sei como - me eleva. Calor aconchegante que derrete a gélida capa de proteção com a qual me envolvi. Sentença de morte curiosamente atrativa. Inferno onde eu vejo paraíso.
Você é uma fogueira queimando em mim. E como toda fogueira, começa brasa, e em seu topo vira uma chama delicada, sublime... Dançando nos braços do vento. O seu fogo já se espalhou por toda a minha lenha e a parte suave da chama também já se mostra. Desconfiei que além de quente esse sentimento estava se fazendo suave e belo quando comecei, todas as noites, antes de dormir, a conversar mais com o seu anjo da guarda que com o meu. O que prova que meu pecado tem a sua metade redenção.
De toda essa confusão generalizada, sei pouca coisa. A única certeza (momentaneamente) imutável que trago comigo agora é que lá fora os termômetros marcam 26 graus. Enquanto tenho um sol queimando a 35 dentro de mim... Com mais de 40 graus de sensação térmica.