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quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

O mal que ainda me faz, sem perceber


E o coração ainda salta. Talvez de burro que seja. Ou de ingênuo, atrasado, infantil. Eu cheguei a me sentir segura e auto-suficiente. Bem resolvida. A princípio, me vangloriei, achando que você poderia entrar e sair do meu campo de visão milhões de vezes, que nada aconteceria. Nada dentro de mim aconteceria. "Recebam minha passividade". Disse isso a todos os "para sempres" que nasceram na minha própria boca nos últimos anos. Fiquei exultante de perceber que eu tinha errado ao colocar todas aquelas promessas de eternidade no mundo. Finalmente, acabou.
Acabou até o segundo do olho no olho, onde toda a finitude caiu por terra. No segundo seguinte eu tinha por perto borboletas imaginárias agressivas, que cansadas de sobrevoar o meu estômago, decidiram que era melhor dar socos nele. E o coração respondeu. Ele não foi forte o suficiente para resistir ao alinhamento da sua íris com a minha: deu duplos twist carpados com maestria de ginasta veterano. Tinha o nó na garganta também. Foram os cinco segundos mais longos da minha vida, com o rosto congelado para não transparecer a confusão de sensações que eu tinha por dentro. Uma enchente de agonia, com pitadas sutis de prazer. Como se eu nunca tivesse te esquecido. Como se uma mínima parte de mim estivesse feliz em te ver, depois de tanto tempo. E essa felicidade, tão ínfima, era suficiente pra fazer o resto de mim sofrer o dobro.
Foi aí que eu percebi que a grande questão não é que não tinha te esquecido. Eu esqueci e foi justamente por isso que me mantive sã por tanto tempo. A grande questão, no fim das contas, é que eu nunca deixei é de te amar. E é aí que a coisa pega. Talvez seja mais fácil não esquecer alguém. Pensar o tempo todo. Ficar na merda logo de uma vez. É perceptivelmente mais perigoso achar que não tem mais sentimento ali. Subir num salto alto de autoafirmação e pensar que tudo acabou bem, porque você se refez. E eu me refiz, enquanto me mantive longe. Eu procurei amar outras pessoas, coisas, situações e rotinas que não incluíssem a sua presença. E eu consegui. Eu te risquei do meu mapa. Eu te tirei do centro das minhas atenções. O que eu não sabia era que continuava te amando, em algum lugar escondido de mim, como que num fundo falso. E não era difícil manter a sanidade assim, me afastando de tudo que tinha você no meio, abrindo mão de ambientes que antes eu tanto prezava, em nome da minha saúde mental, emocional, cardiológica. Em nome do meu amor próprio.
Fiquei arrasada quando percebi que é muito fácil pra você acabar com todo o meu final feliz. Basta cruzar meu caminho. Dobrar a minha esquina. Olhar nos meus olhos, depois de anos a fio. Sem esforço nenhum, você pode acabar com toda felicidade que eu construí pra mim, minuciosamente. Porque eu sou vulnerável a você. Ainda sou. Não sei bem se um dia deixarei de ser. Que barra. Meus "pra sempres" nesse momento riem de mim sem nenhuma pena. A existência deles tem razão de ser, afinal.
Mas tudo vai ficar bem. O trem vai voltar aos trilhos outra vez. Eu vou reassumir o falso controle. A tampa do meu fundo falso quebrou agora, mas sempre dá pra fazer um remendo. Trocar de tampa, se for o caso. Usar madeira de lei, ferro, acrílico... Qualquer material mais forte. Vai. Ficar. Tudo. Bem. O mundo não parou. Não vai parar. E eu me recuso a parar também, ainda mais por causa de você.


sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Como se fosse música


Chegou o dia. Mal posso respirar. Deus, eu preciso lembrar de colocar ar nos pulmões. O zíper do vestido quase não fechou. E eu que tava com medo da roupa ficar folgada, porque nos últimos dias minha alimentação esteve um fracasso. Perco o apetite em situações de ansiedade. Mas de uma forma surpreendente, eu ganhei um quilo ou dois. Sorrio com o canto dos lábios e penso que é porque até a balança vê o bem que você me faz. Você me nutre. 
Hoje é o dia mais feliz e desesperador da minha vida. A imprevisibilidade do que vem depois dá um nó cego na minha garganta. E ao mesmo tempo, é justamente o não saber que me leva a insistir. Porque são sempre cinquenta por cento de chance pra cada lado, êxito e fracasso. Não é assim?
Lembro do dia que você pediu a minha mão. Respondi te dando o corpo, que já era seu há tempos. Meu sim foi quase desesperado de tão lascivo. Nos amamos ali mesmo, no apartamento que hoje está mobiliado e decorado com o nosso jeito, nossa cara, pronto pra nos receber como marido e mulher, depois da cerimônia. Nos amamos naquela casa, à época vazia, que hoje está pronta pra acolher nosso amor em nossa primeira noite de casados. Em seguida partimos para lua de mel e aí retornamos, para começarmos a vida. Voltaremos ao mesmo apartamento para, sob o mesmo teto onde nos amamos daquele jeito tão intenso, criarmos nossos filhos, que virão. Frutos da nossa intensidade e nossa doçura, que eu sei que virão.
Respirar, respirar. Não posso esquecer de respirar. O céu está um absurdo de lindo, e tento entender isso como um recado de bom presságio, enviado pelo destino. Mas o coração insiste em querer sair pela boca, e eu suo frio. É medo. Medo típico de gente que já teve o coração partido em mil pedaços. Medo de quem tem medo de te perder. Mas apesar da agonia, eu quero dizer que acredito no amor que você sente por mim, e sei que é real o bem que você me faz. Você me tirou do meu breu, e só isso já vale um punhado considerável de gratidão. E tem ainda todo esse amor que eu te dou de volta, como que pagando uma dívida de vida. Só que em meio a toda essa reciprocidade que eu vejo, tem um monte de gente duvidando da gente. Talvez não da nossa veracidade, mas da nossa capacidade de ir adiante apesar das fortes ondas de negatividade. E eu tenho tanto medo de, por acidente, me desgrudar de você na correnteza e me afogar. Eu não sei nadar. Eu preciso de você pra me manter sã e na superfície desse mar.
Uma confissão: às vezes eu me fantasio de auto-suficiência e escondo meu ciúme no mais escuro dos meus porões, só pra não fazer você se sentir preso e desconfortável ao meu lado. Porque eu abomino tudo que possa te fazer não querer ficar na vida que pensamos pra nós dois. Eu finjo não ligar ou não perceber, quando tantas mulheres te lançam olhar de cobiça porque, afinal de contas, você é um cara muito sexy e desejável. E no meu silêncio disfarçado de não-ciúme, fico esperando que elas nunca saibam o quanto você é perito em saciar os desejos que desperta. Eu que o diga muito bem. 
Eu te amo com tudo o que tenho e te peço, por favor, me ame com o que você puder amar. Sem cobranças, sem pesos, sem nada que agrida a naturalidade da qual o nosso amor precisa pra viver. Sem amarras. Eu aceito o seu amor como ele é.
Tenho que ir pra igreja. Todas as minhas melhores amigas estão me atormentando via WhatsApp, me alertando pra tomar cuidado com a hora. Você tá lá me esperando e não vou mais me demorar em ir ao seu encontro. Começar a nossa vida. Eu aceito as angústias e as delícias de ser sua mulher. Pago pra ver. Pago pra amar. E quanto a você, peço de novo: me ame. Como se eu fosse música.


Por esse momento eu sempre esperei


É novidade isso tudo. É inédito que eu corresponda. É inédito que seja correspondida. A hora certa parece ter chegado, absoluta e imponente, como o badalar de um relógio antigo, avisando que um novo dia começou. Um novo tempo. É estranho e lindo que estejamos os dois vivendo isso.
Para mim, a primeira vez que tem corpo junto do amor. Para ele, a primeira vez que tem amor junto do corpo. São primeiras vezes de ângulos diferentes, mas são sinceras. Despidas de culpas, medos, e principalmente mágoas antigas. Nada importa muito, quando é o sentimento que não importa pouco. A gravidade se torna só um detalhe banal perto da enormidade daquele tufão de paixão dentro do peito. 
E tudo que me acontece eu quero contar pra ele. E o que não me acontece, eu quero contar também. Como se eu sentisse que nenhuma outra pessoa no mundo me entende tanto, me acolhe tanto, e muito menos me protege tanto assim. Nos braços dele está a segurança que eu busquei, sem encontrar em lugar nenhum.
Nos entendemos, nos acolhemos. E escolhemos um ao outro para sermos assim, um para o outro. Nem nos meus melhores sonhos, viver tinha um gosto tão bom assim. É uma mistura de todos os sabores agradáveis ao paladar, só que na alma. Estou leve. Estou feliz. Depois de tanto murro em ponta de faca, posso dizer que consegui fazer do meu coração um cantinho quente, limpo e perfumado, para o amor morar.
E ainda tem a parte das delícias auditivas: a trilha sonora. Ondas que invadem os ouvidos, vibram por todo o corpo e trazem sorrisos bobos aos lábios. É inebriante cantar - e ouvir! - uma música de amor colocando toda a sua verdade nela. "Andar de mãos dadas na beira da praia, por esse momento eu sempre esperei". Ah, Caetano, como eu quis ver chegar o dia em que ia cantar essa sua canção com gosto e fé. Eles chegaram, enfim. O dia e o meu amor.

domingo, 16 de novembro de 2014

Amor gramatical

Eu não soube que era você por causa do sorriso torto ou da voz sedutora. Não foi a sua facilidade em ser um homem naturalmente atraente que me fez perceber que era você, e não qualquer outro. Não foi por causa da minha crescente confusão quando estou ao seu lado que eu soube. Não foi a síncope cada vez que você telefona. Não foi o frio na barriga ou o coração acelerado que me disseram que era você o cara, e não qualquer outro neste mundo. Poderia ser qualquer um: meu vizinho, o carteiro, o cara que pega o mesmo ônibus que eu todas as manhãs, Seu Manoel da padaria. Podia ser qualquer um, mas é você. Todo torto, todo errado, todo minuciosamente traçado e pensado pra mim.
Eu soube, quando dentre todas as suas falhas, relevei principalmente o seu português ruim. O não saber conjugar o verbo “vir”, em qualquer outro ser humano, me irritaria profundamente. Me irritar mais do que isso, só o fato de você parecer ignorar que o verbo viajar é com j, mas viagem, o substantivo, é com g. E quer saber? Eu não me importo. Porque a gramática é ruim, mas o papo tão bom!
Eu costumo perder amigos e não as correções ortográficas. Mas deixo passar os seus deslizes gramaticais todos, porque me recuso a perder você. E, acredite, em se tratando de mim, fingir não reparar na ausência de coesão da sua escrita é uma grande prova de amor.

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Fica

Eu ando com síndrome do pânico ao ver o telefone tocar. Ao ver mesmo, não ouvir. É que meu celular acende os ícones do display quando vai tocar, antes de tocar. E aí pronto: basta ver aquelas luzinhas brancas que meu coração dá saltos mortais pra ginasta olímpica nenhuma botar defeito. Até que acende a tela toda e aparece um nome qualquer na bina, que não é o seu. Semi-síncope em vão. Tenho tido isso recorrentemente e assim têm sido os meus dias.
Tudo porque você disse que me amava. Mas você fez questão de dizer que me amava tanto, mas tanto, que sabia que eu merecia muito mais. Você disse que deseja pra mim que eu seja muito mais feliz do que você pode me fazer. Me falou do amor, inundado de consciência, que sabe que eu mereço mais. E eu fiquei aqui no meu canto, querendo que meu merecimento minguasse, só pra você caber como uma luva nele, sem folgas, sem espaços vazios.
Aí foi quando você começou a falar que eu me conformo fácil com as coisas e que preciso aprender a olhar pra dentro, reconhecer o meu valor. Eu preciso de alguém que acabe com essa minha mania feia de me contentar com migalhas, como se fossem suficientes, como se fossem o bastante. Não são.
Você fala de mim como se eu fosse uma pessoa tão bonita e boa, e fica tão zangado por eu não concordar, que chega quase a me convencer de me amar mais. É a condição pra você ficar? Se eu gostar mais de mim, você vai se sentir melhor para me dar esse amor que tem aí no peito? Esse amor, que você diz que é pouco, mas que é o amor que eu quero. Não se trata de merecimento. Se eu amar a mim mesma como você me ama, você me deixa te dar todo esse meu amor pra você em troca?

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Finale


Não vai ficar tudo bem. Já está. E não é falso otimismo ou algo que eu digo para você não se sentir de mal. Está tudo bem mesmo. Não ferimos um ao outro e eu acho isso a coisa mais linda do mundo. A serenidade e a leveza com que soubemos adular nossa fogueira de chamas altas é a minha melhor lembrança. Fomos completos enquanto duas pessoas formando uma só coisa. Fomos intensos e calmos, fomos desesperados um pelo outro. Mas fomos simples. Nos respeitamos. Fomos curtos e breves, mas valemos a pena.
Fazia muito tempo que pra mim, essa coisa, o amor, não valia tanto a pena. O fim não é mais um drama. Rola uma lágrima pelo rosto, dá saudade. Mas a vida muda, nós mudamos, e não precisamos fazer disso uma crise. Terminamos, mas cumprimos nossa missão de sermos luz um na vida do outro. Foi tudo delicioso, extasiante, e que bom que nós dois acontecemos. Que bom que nossa história existiu.
Esta é uma sensação nova e estranha, mas absolutamente agradável: pela primeira vez, eu não perdi um amor. Eu ganhei uma história linda pra contar pro resto da vida. Obrigada por esta experiência que eu nunca havia vivido antes. É a primeira vez que há carinho e ternura, depois do amor. Obrigada por curar um coração que andava tão desacreditado da beleza das coisas. Obrigada por me resgatar. Podemos seguir em frente agora, mesmo que separados. E, quem sabe, nossas vidas ainda possam se cruzar por aí.

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Manifesto pelo direito de quebrar a cara


Caçula. Menina. Super-protegida. Quando eu era pequena, tinha uma "merió amiga", que além de estudar comigo na escola, era minha vizinha. Duda, o nome dela. Duda era virada. Eu, quietinha até demais. Duda descia as escadas do prédio pulando de dois em dois degraus, às vezes mais. Eu descia devagarzinho, de ladinho, segurando na parede, por falta de corre-mão. Degrau por degrau. Uma velhinha de 95 anos habitando o corpinho de uma menininha de 2 ou 3. Nas aulas de natação, Duda subia o trampolim quando a professora não tava olhando e tchibum na piscina. Eu tinha medo de me livrar das boias na piscina funda, e não desgrudava da borda. Terminei trocando as aulas de natação pela ginástica rítmica: a terra firme era mais segura. Nunca aprendi a nadar, assim como nunca aprendi a andar de bicicleta. E passei boa parte da vida numa bolha que me foi imposta. Mas eu não me queixava. Nunca fui de reclamar das coisas, e como não sabia como era a vida fora daquele sistema protetor, não me fazia falta. Me fazia era fraca, e eu não me dava conta.
Eu tive a melhor mãe do mundo. Mesmo. Não é só questão de força de expressão. Cada um que ache a sua mãe a melhor, eu sei. Mas a minha mãe, meu caro... Você não tá me entendendo. Ela possuía o coração mais bondoso, era a pessoa mais generosa que já conheci. Só que em tudo tem um porém. Hoje, com um pouco mais de idade e um pouco menos de mundo fantástico na cabeça, sei que minha mãe me achava frágil. E eu era, só que me manter guardada debaixo de suas asas, ao contrário do que ela parecia pensar, não era algo que me ajudasse objetivamente. Já viu bicho criado em cativeiro conseguir se virar na mata? Pois é. O pensamento é por aí. 
Por esses dias eu tava pensando nas viagens do colégio que deixei de ir. Minha mãe tinha medo que eu, bobinha, fosse influenciada pelos adolescentes rebeldes que me cercavam e fizesse coisas que não fossem legais. Ela era professora, sabia bem o tipo de marmota que os alunos aprontavam nessas viagens... "Pedagógicas". Mas eu era tão bobinha, mas tão bobinha... Que era boa demais! Ela não podia imaginar, mas o motivo pelo qual ela não me deixava ir, era o mesmo pelo qual deveria me dar permissão. Não importava se ela não estava olhando. Qualquer coisa que eu fizesse, e que a desagradasse, me faria sofrer muito. Eu tinha uma consciência grande demais para uma garota daquela faixa etária e, qualquer passinho fora da linha, essa mesma consciência me pesava toneladas. Na minha vida escolar, por exemplo, eu tirei muita nota vermelha nas matérias de exatas. Era filha de um contador, mas não tinha habilidade com os números. Foram as palavras, herdadas da minha mãe professora de Português, que me fisgaram desde sempre. Eu poderia até começar a falar sobre quão emocionante foi o momento que descobri que sabia ler. Mas esta é uma outra história. Voltemos: os números e minha falta de aptidão para lidar com eles. Eu sofria profundamente pelas minhas notas vermelhas. Mas sofria mesmo. Muito. Me achava uma pessoa horrível. Era uma auto-tortura psicológica meio pesada. Até o dia em que, nos últimos meses de vida escolar, no meio dos meus dramas mexicanos, uma professora me aconselhou: "Pare de se preocupar tanto. A sua vida é tão mais que isso! Tem um mundo lá fora da escola, e quando isso aqui passar, você vai olhar pra trás e vai ver como tudo aqui é tão pequeno". Aquela fala ocasionou o começo do estalo que me levou à estrada que me fez quem eu sou hoje. E eu não parei de andar. Nem pretendo.
Fiz esse arrodeio todo, resgatando dilemas antigos, só para deixar claro que este texto é um manifesto pelo meu direito de quebrar a cara. Nós, pessoas super-protegidas desde o seio materno, desde o seio familiar, escolar e etc, temos o pleno direito de quebrarmos a cara. Sabe quando eu comecei a crescer? Quando dei de cara no chão, sem ninguém para me segurar, me amortecer a queda ou me por de pé outra vez. Foi quando eu aprendi que em alguns momentos a vida dói mesmo, é natural, e que a dor não precisa ser inimiga. Ela é sinal de que se está vivo e, por sua vez, estar vivo é uma vitória imensa, e um ótimo motivo para arranjar um jeito de se levantar. Um brinde ao ato educativo de se quebrar a cara!
Me manifesto pelo meu direito de me arriscar, de querer coisas que têm 50% de chance de dar certo. Brigo pelo meu direito de dobrar aquela esquina sem GPS para me mostrar se aquela rua é uma alameda ou um beco escuro sem saída. Quero viver essa coisa de escolher a avenida principal ou cortar caminho por uma paralela, sem saber qual das duas opções está engarrafada. Engarrafamento às vezes é bom pra gente pensar. Eu vou gritar pelo meu direito de querer o que eu quero hoje, mesmo sabendo que pode dar errado, só porque a probabilidade de dar certo existe, mesmo que ela seja menor. Eu enfrento a Terceira Guerra Mundial pelo direito de ter exatamente os desejos que eu tenho, porque a vida é pelo menos três coisas: minha, única e curta! Curta demais para viver pisando em ovos. Eu quero pisar firme, sem saber se debaixo dos meus pés tem solo fértil ou areia movediça. Eu quero arriscar, porque eu tenho esse direito. Se não rolar, existem outros caminhos, outras quedas, outras lições. Nenhuma escolha é vazia. 
O mundo pode continuar me achando frágil. Mas olha, mundo, vou te falar uma coisa: eu aguento. Eu estou viva, portanto, aguento perfeitamente essa viagem louca, dolorosa, frustrante, excitante e linda que é viver. Porque se eu não aguentasse, eu simplesmente não estaria aqui.


terça-feira, 7 de outubro de 2014

Poeminha fora de hora



Eu vou diminuir
Ir para o norte
Esperar que a sorte
Venha me buscar

Não foi culpa minha
Não foi culpa sua
Não foi culpa nossa
Eu me apaixonar

Te faço um verso
Simples, claro
E atesto
Aqui não era bem o meu lugar

Vou lembrar da gente
Te levar na mente
A pele esquenta
Só de imaginar

Vai e nem comenta
Vê se te orienta
Vou seguir meu prumo
Me jogar no mar

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Oi, Passado. Eu vim te visitar.


Hoje, depois de cinco longos anos, eu estive no colégio onde estudei a vida inteira. Num segundo, parece que foi ontem que saí de lá. No segundo seguinte, parece que o tempo se perdeu, porque eu nem sequer sou a mesma pessoa que deu as costas àqueles muros, um dia. Isso só me leva à conclusão de que a vida é muito doida. Graças a Deus!
Quanta história paredes podem conter? Como ambientes, cores, formas, cheiros e sons podem mexer tanto com nossas mentes, nossos sentimentos? Pensando sobre como 15 dos meus 22 anos eu vivi ali, tive que analisar tudo de um modo mais amplo. Passei mais tempo da vida lá dentro, do que aqui fora. No entanto, depois que concluí o Ensino Médio, mudei muito mais do que nos 15 anos de colégio juntos. Essa transição de adolescência para a vida adulta parece ser a mais significativa. A gente vira do avesso. Mas nem sei se é assim pra todo mundo. Pra mim, foi.
Ver aquela fachada cinco anos, alguns cortes de cabelo, um piercing, quatro tatuagens e um diploma de Jornalismo depois, foi, no mínimo, curioso. Foi como me olhar por dentro. Foi olhar pra trás e, numa fração de segundo, reconstruir toda a rota que tracei até aqui. Definitivamente, eu não sou mais a menina que cruzou aqueles portões com a ficha 19 nas mãos.
Tanta coisa parece fazer mais sentido agora, e tantas outras perderam o sentido, se tornaram grãozinhos de areia no parquinho do pré-escolar. Segredos que já nem valem de nada devem ter ficados enterrados do ladinho do caramanchão. E quem diria que eu, cantorinha que todo recreio batia ponto no "palquinho" de madeira (que na verdade era uma ponte, sem rio passando por baixo), subiria em palcos de verdade, de gente grande? E os intervalos em que eu abdicava do lanche, só pra poder passar 20 minutos dentro do estúdio da rádio do colégio? Uau! Sabe meu diploma de Jornalismo? Consegui concluindo o curso com um projeto experimental em... Rádio. Talvez eu não tenha me dado conta o quão "de antes" vêm meus prazeres e aptidões atuais. 
Hoje, apesar de tão mudada, reconheço em mim pedaços do que eu era, apesar de não ser mais. Porque tudo que sou hoje começou lá, de onde eu vim.



segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Sonhei que você me lia


Dia desses sonhei que você me lia aqui. E o mais incrível de tudo é que você me lia e entendia todas as minhas entrelinhas. Me descobria por trás de todas as minhas máscaras. Você lia meus escritos piegas, chatos, revoltados, doces... Sabia quando cada um era pra você e sabia cada um dos motivos, dos momentos. Aí a partir desse sonho, resolvi escrever imaginando que você me lê de fato.
Se você me lê, se reconheça como vocativo deste texto, como no meu sonho. E saiba que o que você faz comigo, há anos ninguém me faz. Eu tento todos os dias ignorar. Deus, como eu tento! Às vezes tenho sucesso por uns tempos, mas nem sempre. E mesmo que tenha, não adianta muito. Você volta. Você e sua imponência voltam e derrubam todos os meus argumentos meticulosamente ensaiados, que comumente tentam convencer a mim mesma de que não é nada demais isto aqui pulando dentro do peito. Coração, sabe? É, eu ainda tenho um. Um que funciona, ao contrário do que eu pensava. E dessa vez, eu não vou tomar betabloqueadores, como quando eu era menina, porque sei exatamente qual o meu diagnóstico. Não tem nada a ver com prolapso valvar mitral.
Eu queria ter capacidade de soltar tudo que está preso em mim, e despejar tudo de uma vez, antes que o súbito de coragem passasse. Eu queria conseguir te olhar nos olhos por um tempo que fosse suficiente pra você entender. Mas eu sempre provoco desvios. Fujo. Corro porque amar dói. E ao mesmo tempo, eu não queria estar aqui te falando de amor, como uma completa idiota, mas é que eu realmente não sei o que mais isso pode ser. Vamos usar esta palavra - amor - por falta de alguma outra mais apropriada. Eu poderia falar de paixão, mas ela é só fogo e tem prazo de validade. Você ainda não se estragou, mesmo depois de tanto tempo guardado na última gaveta da minha geladeira. E você já não é mais só fogo: você é fogo, brisa, perfume. Você já virou pacote completo. E isso dá medo.
Não precisa nem levar tão a sério as coisas que eu escrevo aqui, porque eu nunca revelo por completo o que é real ou fantasia. Mas, olha, eu gosto de você pra caramba. No começo era mesmo só isso de atração fatal e querer por querer. Um querer só, solto no mundo, sem razões ou outras coisas agregativas. O querer existe ainda, mas acompanhado. E acompanhado por um monte de coisa linda e boa que você me causa que, como eu já disse, há anos ninguém causava a mim. Desculpa jogar em você tanta coisa confusa ao mesmo tempo, mas é que realmente... (pausa)

- Neste momento, a Autora é calada com um beijo dele, o Vocativo. Como se falasse e não escrevesse. Como se ele, ouvindo suas palavras, pudesse ler de forma não caligrafada: ouvindo, ele lia a alma dela. Beijando, virava co-autor da vida que não é dele. Mas que depois do beijo, passaria a ser. E viriam outros beijos, depois. E outras tantas coisas mais.



domingo, 31 de agosto de 2014

Contra o vento


Nosso amor nasceu às 15h do dia 28 de agosto. Uma criança forte, corada, saudável. Inesperada, fruto de um descuido e da falta do uso de meios contraceptivos. Uma surpresa, mas ainda assim, muito querida. Medos, receios, pudores, grilos e crises foram ao chão, junto às nossas roupas jogadas num canto do seu quarto. Nossas vidas mudaram para sempre, depois que demos luz ao nosso amor.
E seguimos, mesmo diante de todos os ventos contrários. Era um tufão de negatividade e a gente agarrado um ao outro, pra não se deixar levar. Era tanta gente que a gente amava dizendo que a gente não ia dar em nada, que por amor a nós, tivemos que amar um ao outro mais do que aos outros, para não nos contaminarmos. E até certo ponto, isso doía, porque as pessoas que equivocavam pela vida em relação ao que havia entre nós eram pessoas que nos amavam e queriam nosso bem. Mas ninguém parecia entender, nem aceitar. A face bela, rica em sonhos e carinho e cuidado mútuos do nosso amor só se tinha revelado a nós dois. O resto do mundo não tinha fé na gente: todos diziam que acabaríamos feridos, ferindo, perdendo tempo de vida útil e tudo o mais de frustrante que pudesse haver no campo afetivo existente entre duas pessoas.
Se toda aquela gente estava certa, eu adoro o nosso jeito de dar errado. Nossas frustrações são belas parcerias, dois filhos lindos, uma casa de praia, cumplicidade sem fim e um álbum de fotografias com incontáveis sorrisos estampados. Do tipo sinceros.


Eu tinha dez anos


Tudo na minha vida parece ter acontecido quando eu tinha dez anos. "Eu tinha dez anos" é uma frase corriqueira minha, quem me conhece sabe. Há alguns dias, fiz 22. Mas as minhas histórias mais memoráveis, os causos que mais conto, se passaram todos entre os anos de 2002 e 2003, quando eu tinha dez.
Parei pra lembrar de como foi meu 26 de agosto de 2002. Foi o melhor dos aniversários: o de dez anos. Não teve festa, nem nada disso. Mas eu faltei aula na escola e passei o dia inteiro com a minha mãe. Fomos ao shopping, parque de diversões, depois almoço no meu restaurante preferido. Sempre fui meio ruim de boca, mas me esbaldava naquele cardápio regional. Por ser meu aniversário, eu tinha licença poético-gastronômica pra encher o prato com os olhos. E olha que, como diz um amigo meu, os meus olhos são GRANDES. 
E depois minha família foi encontrar a gente e eu vi todos os meus presentes de aniversário daquele ano ali, na hora que estavam sendo comprados. E voltamos todos juntos pra casa ao fim da tarde, e eu tava tão feliz. Foi uma delícia de dia, o meu primeiro com dez anos de idade. E o ano que se seguiu foi cheio de acontecimentos marcantes, pequenas histórias que eu divido até hoje, 12 anos depois.
Já nem sei bem o que eu pensava pra esse texto quando comecei a escrevê-lo, nem o porquê de eu tê-lo pensado como uma crônica. Mas é isso, mundo: queria dividir com você que quando eu tinha dez anos... Ai, como eu fui inesquecivelmente feliz!

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Aos 15



Odeio momentos assim, quando eu percebo que ainda te amo tanto. Quando minha menina de 15 anos chama a atenção da minha mulher adulta de hoje, e joga na minha cara que sou uma farsa. Minha auto-confiança, minha autoestima elevada... São só a auto-piedade de sempre, disfarçada, escondida atrás de tatuagens, escova progressiva e um bom batom vermelho. Eu tenho uma eterna debutante, congelada e triste, morando dentro de mim. Ela às vezes insiste em me mostrar que não passaram: nem ela, nem você.
No fundo, ainda estou esperando no baile que você não foi. Continuo com o vestido rosa pink bordado pela minha mãe. Continuo sentada com um copo d'água na mão, vendo os garçons empilhando cadeiras, achando que você vai aparecer ali na porta. Mesmo que a meia-noite, da valsa, já tenha passado há 61.320 horas. Sim, eu fiz as contas.
Às vezes adianto um pouco meu relógio interior, e passo de debutante à moça que brinda à maioridade, num piscar de olhos. E a minha eu aos 18 anos está numa festa cheia de gente, apertando um copo de whisky entre os dedos, querendo jogá-lo na sua cara. Querendo, por um minuto, virar Carrie, a estranha, e acabar com seu riso cínico, no fatídico baile em que você foi, três anos depois de não ter ido. Eu com 18 anos, sentindo o dobro da dor, por constatar que as lágrimas derramadas aos 15 foram em vão.
E aí vira uma metalinguagem aguda: eu aos 15, esmurrando por dentro o peito da eu aos 18, que por sua vez, dá unhadas de desespero na parede interna do tórax da eu de agora. Que reajo lavando o rosto, me olhando no espelho e vendo que tenho 15 anos. Por mais que as folhas do calendário tenham se lançado ao vento a cada trinta dias - e isso já aconteceu 84 vezes -, eu continuo com 15 anos, te pedindo perdão por te amar tanto e ser a garota estranha da escola, que nunca estará aos seus pés. Eu fui tantas pra mendigar o seu amor, e nenhuma delas foi do seu agrado. Hoje tenho que ser imensa para abrigar tantas eus em mim. Sou como uma matrioshka russa.
Eu odeio quando a verdade se revela desse jeito, crua, nua, sem pudor. Até as minhas linhas escritas aos trancos e barrancos têm mais sentimento com você no meio, mesmo que sejam tristes. Com você, eu pelo menos sentia dor. É você sair de cena, e eu não sinto mais nada. Eu tenho vinte e poucos anos, mas sou uma menina de 15. Presa no passado. Refém do amor que eu juro todos os dias não mais sentir. Só que eu minto.

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Chão


Eu comecei a me despedir da minha Veneza lentamente. Cada suspiro melancólico que dava no dia-a-dia, dentro do ônibus, era um pedaço de adeus. Eu recebia aquela brisa que vinha do Capibaribe e ficava me perguntando se aguentaria a dor de partir. Sempre odiei despedidas, e em mim, o apego sempre falou mais alto que um monte de outras coisas.
O futuro distante no qual estava a minha vida adulta tinha se tornado presente. Os planos que eu tinha feito pra mim viram chegar a hora de sua execução. Mas agora já não sabia se tinha coragem. Eu, que tanto quis me livrar de tudo que me prendia aqui, agora procurava motivos que me fizessem ficar. Procurava desculpas para não ir embora.
Eu queria crescer e pretendia aprender a fazer isso da forma mais brusca: ficando sozinha, num lugar estranho. Dessa forma, eu enfrentaria todos os meus medos, concentrados num aparentemente único ponto. Mas cheguei a um estágio em que meus pensamentos errantes me fizeram concluir que eu ficaria. Construiria outra vida nova sem mudar de endereço, como já havia feito antes. Percebi que se Deus me desse um amor e um bom emprego, eu não arredaria daqui. Porque não há outro chão no mundo que eu possa chamar de meu.

domingo, 10 de agosto de 2014

Cordeiro em pele de lobo



O moço é bonito que só ele. E deliciosamente perigoso. Um mistério, uma palavra não dita, um olhar que quer valer por uma frase, mas que não vale completamente, porque olhares não falam. Eles nos fazem imaginar coisas, e sempre há uma margem de erro. 
O moço quase nunca diz nada, mas quando diz, chove relevância. Me inunda com aquela voz que é de trovão mas, ainda assim, é suave. Quando estia e o sol aparece, ele se divide em raios solares e queima minha pele. Ele é o calor do verão, a imponência do inverno, o perfume da primavera. No outono, ele é a queda da folhagem, mostrando minha mudança de estação: sou mulher agora, não mais menina.
Um dia eu vou dizer pra ele o que se passa no norte, no oeste e nos países do sul. Vou dizer o que ele faz comigo, sem precisar de esforço. Vou dizer o que ele me causa, só de existir. E então, seremos como nos meus sonhos. 
Dia desses, sonhei que ele era bonzinho e nenhum de seus desvios de conduta existiam, para impedir que ficássemos juntos. Tinha a diferença de idade ainda, mas isso nunca foi empecilho. Isso é lenha na fogueira. No meu sonho, ele sabia ser de uma moça só - no caso, eu -, porque na real era um cordeiro em pele de lobo, e não o contrário. Só que na vida real, ele é mesmo meu avesso. Minha transgressão. Minha quase queda no abismo da falta de amor-próprio. Mas é quase. Porque cafajestice não me assusta, não me surpreende e nem me prega peças. Ele é uma ideia, e vai permanecer sempre ali, no campo da subjetividade.

quarta-feira, 30 de julho de 2014

Crise de realidade


Faz dias que sento, ponho o laptop no colo e tento escrever um texto bonito pra postar no blog. Digito umas linhas, mas o pensamento termina se perdendo. Acho que é porque eu ando tão 'atonitamente' envolvida na minha realidade, que confinei todas as minhas fantasias no fundo de um armário velho. Tranquei de chave e esqueci onde guardei o molho. Não consigo lembrar nem a pau, nem a ferro, nem a fogo, nem a nada.
Quando eu era mais nova, muito dada às minhas paixõezinhas platônicas, sempre tinha dias em que encarava a impossibilidade de surgir um romance de verdade daquelas historinhas bonitas que eu inventava na minha cabeça. Eu chamava esses momentos de profundo sofrimento de crise de realidade. Era quando eu saía da minha bolha e enfrentava meu mundo real cheio de paixões não-correspondidas. E agora, depois que uma coisa chamada formatura passou por mim, me encontro numa crise de realidade constante.
Me formei. Casei com o Jornalismo. Amei muito. Não sei se fui correspondida. Já nem sei se amo tanto assim. Mas estou aqui, pagando o preço das minhas escolhas. Abraçando a vida que escolhi lá atrás, enquanto brigava com o mundo, batia no peito e acreditava piamente que tinha mesmo nascido pra isso. Não sei se o problema sou eu, ou se a maioria das pessoas sente algo parecido em momentos assim da vida. O que a gente faz depois que é feliz, afinal? Pra que lado se vai quando se chega, pelo menos aparentemente, no terminal da condução?
É como se meu objetivo maior fosse a graduação. E agora que eu tenho um diploma e tal e coisa, não sei bem pra que lado ir. Por mais difícil e chato e estressante que o caminho até aqui possa ter sido em alguns momentos, eu sempre soube pra onde estava indo. Agora eu cheguei ao final da trilha e o mapa que eu adquiri não mostra as estradas daqui pra frente. Tenho que seguir por conta da minha própria intuição. E isso assusta. E dá um medo. Dá pânico mesmo. Mas é isso, não é?
É, é isso. Jornalista agora. E nem posso mais reclamar quando as pessoas me chamarem assim, e corrigi-las dizendo que sou e.s.t.u.d.a.n.t.e. Porque agora sou uma m.u.l.h.e.r graduada. Tenho guardado na gaveta um documento que me chama de b.a.c.h.a.r.e.l.a. Certo. Saí da zona de conforto, do lugar conhecido e confortável que a Universidade representava pra mim. O que espero agora é que a saída do lugar confortável não me leve a um lugar comum. Porque eu não andei tanto pra ser igual. Pra ter igual ou viver idem. Andar a cem por hora na contramão dá mais adrenalina.

domingo, 20 de julho de 2014

Uma questão de escolha


Quando a minha mãe morreu - momento mais difícil e doloroso da minha vida, diga-se de passagem - foram os meus amigos que me valeram. Não me entenda mal, minha família também foi decisiva na minha recuperação. Mas é que eu e meus familiares estávamos todos no mesmo barco, envoltos na mesma dor. Um pedaço de nós tinha partido e não tínhamos outra escolha, que não viver aquele luto. 
Mas meus amigos poderiam escolher. E em meio a tantas opções, eles escolheram me telefonar, ficar na minha casa naquela madrugada amarga, estar ao meu lado no velório, enterro, missa de sétimo dia e enxugar as lágrimas que ainda estariam por vir. Foi um longo processo e, hoje eu sei, não teria conseguido sem eles. Uma cena que me marcou muito, em meio a tantas lembranças confusas, aconteceu no velório da minha mãe. A mãe de uma das minhas melhores amigas, uma amiga de infância, me ofereceu seu colo. Posso não me recordar ao certo as palavras que ela me disse naquela hora, mas aquele gesto eu nunca vou esquecer. Eu, com 17 anos na cara, aconchegada no colo da mãe de uma amiga, no momento da dor mais dilacerante que conheci até hoje.
Aquele gesto eu vou levar pra sempre comigo. Porque hoje, passados quase cinco anos, é ele que me faz perceber quão fortes podem se tornar os laços de uma amizade verdadeira. É uma força que vai além de fotos postadas nas redes sociais ou quaisquer outras coisas mais banais. É um doar-se mútuo que nos inclui verdadeiramente na vida uns dos outros, que nos eleva muitas vezes a status de familiares. E por escolha própria. "Bons amigos são a família que nos permitiram escolher": verdade absoluta. 
Quando eu sofri de verdade, tive amigos comigo pra me ajudar a segurar a barra e ser gente de novo. E tive amigos que sofreram junto. Choraram o meu choro, e o ajudaram a secar mais depressa. Foi aí que aprendi uma lição para o resto da vida, e que me fez olhar com outros olhos as relações de amizade que construí depois disso tudo. Acho que isso me deu maior sensibilidade e percepção na hora de escolher meus amigos. Porque pessoas especiais aparecem nas nossas vidas por acaso, ou destino... Mas se tornam nossos amigos ou amigas por uma escolha nossa. 
De mim, os meus escolhidos têm o amor, os ombros, o sorriso o abraço, e o que de melhor houver... Sempre ao dispor.

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Soltar âncoras



Eu quero as coisas mais lindas do mundo pra você. Porque eu te amo mesmo, sabe? Independente do que as pessoas pensem ou preconceituem a respeito. Eu te amei pela verdade que você passa. Me veio a verdade primeiro, depois você, com sua lista de incontáveis predicados.
Eu te amo com esse amor sereno, que sabe que se você tem asas, tem mais é que voar mesmo. Esse amor que não te quer aqui se for pra o seu sorriso ter o potencial diminuído. Seu riso tem que ser pleno. Você tem que ser pleno.
Eu te amo com esse amor que é forte, sim, não se importando com os ventos contrários. É por ser forte que ele te liberta. É por ser forte, que ele bebe todos os dias suas doses de realidade e reconhece que a renúncia é o lugar que lhe cabe. Reconhece que você merece as coisas mais lindas da vida e eu não pertenço a esse grupo de coisas belas, merecedoras de serem apontadas como causa da sua felicidade. Não sou eu que mereço menos, é você que merece mais.
Quem nasceu para ser o centro, jamais deve ser tábua de salvação. Você não merece se dedicar a derrubar meus muros e salvar minha alma. Você não merece arredores. Você merece estar alicerçado bem no meio do terreno. Você merece muito mais do que eu - por mais que te ame - posso oferecer. Meu solo está cheio de erva daninha e a última coisa que eu quero é te contaminar. Vai, e sorri. E lembra que, ao te ver sorrindo, de longe, eu vou sorrir sincero daqui, em resposta.
Vai sem culpa de me deixar pra trás. Não é por sua causa que eu tô presa aqui, neste lugar. E não é porque estou impossibilitada de ir mais longe que vou impedir o seu voo. Vai. Ao te ver partindo, eu não tô triste, não. Eu tô é leve.



terça-feira, 10 de junho de 2014

Dopo il parco giochi: a sirene


São 22h32 de uma terça-feira e eu deveria mesmo dormir. Porque dormi pouco na noite passada. Porque quarta-feira é um dia útil, e eu trabalho. Porque, porque, porque. Mas estava lendo um livro e resolvi escrever sobre como eu deveria estar dormindo agora, e não estou. Sobre como eu poderia estar trabalhando no meu projeto freelancer agora, mas não estou. Sobre como minha vida poderia ser diferente, mas não é. Sobre como eu deveria ter escolhido outra coisa que não Jornalismo pra profissão, mas escolhi. Sobre como esse texto deveria não ser sobre você, mas é. Sobre como eu não deveria me apaixonar, mas acho que levei uma rasteira. Sabe como é, prefiro dizer que estou levando uma rasteira, estou em vias de cair, do que me dizer apaixonada. Eu não me apaixono, afinal de contas. Não mais.

"Garota linda, de cabelo curto, rejeita a autoridade e não consegue resistir a um cara que ela sabe que vai ser um problema."
Tirando obviamente o "linda", essas palavras do livro que estou lendo quase falam de mim. E digo quase porque eu tinha desistido de você, sabe? Eu sempre soube que você não prestava. Eu tirei você da cabeça, porque aceitei sua completa babaquice e outros fatores me deram distração. Mas foi quando eu desisti, que baixei a guarda sem perceber. E foi quando eu baixei a guarda, por simplesmente não me importar mais, que a gente se aproximou como pessoas normais, que convivem uma com outra, fazem. E agora quem vê de fora pode até chutar que a gente é amigo. Eu diria que não chega a tanto. Mas devo admitir que me troco e me relaciono e me vivo com você muito mais do que com outra meia-dúzia de pessoas que também estão enquadradas no nosso contexto. Escrevi esse último pedaço sem vírgulas de propósito, porque o pensamento está me ocorrendo assim, sem pausas. A gente é quase amigo e começou tudo de novo dentro de mim porque eu dei a merda de uma pausa no assunto "me-sentir-muito-atraída-por-você". A culpa é do intervalo. No fim, foi feito um atleta recuando para pegar impulso, um doente terminal e a sua "melhora da morte". As coisas encontram seu lugar só para se embaralharem depois, de uma maneira ainda mais complicada. Quando a sirene avisa o fim do recreio, a aula que segue sempre parece mais difícil.

Continua...



terça-feira, 25 de março de 2014

Antonius



Não é verdade isso, que deveríamos ser melhores amigos? Um dia, acho que fomos. Mas isso já faz muito tempo. Como quase tudo de memorável na minha vida, eu tinha dez anos. Nossa cumplicidade caiu em algum dos 365 dias do ano de 2002 - que eu nem lembro se foi ou não bissexto -. Ela caiu e ficou lá.
Desde então eu vivi pra esperar que você se importasse. Esperar que você viesse e entrasse em sintonia comigo. Esperar que você fosse o herói no qual eu acreditei durante os meus dez primeiros anos de vida. O herói no qual eu me enrosquei todas as noites, quando era menina, pra tirar o primeiro cochilo antes de ir pra minha cama, porque debaixo da sua asa era mais seguro. Mas deixou de ser. Não por falta de segurança, mas pela sua asa que se fez ausente. Por você, que se fez todo ausente. Que depois voltou, de corpo presente, mas nunca mais voltou de verdade. Nunca mais foi inteiro.
Diante de tudo, me pergunto... A gente se conheceu algum dia? Você realmente acha que sabe quem eu sou? Por que o longe se faz alento, quando devia ser tortura? 
Esta sou eu, querendo te amar À distância, pra preservar alguma beleza que ainda resta. Pra conseguir não deixar de te amar. Pra te fazer ainda valioso e inestimável, em algum lugar dentro de mim.


terça-feira, 18 de fevereiro de 2014




Estou escrevendo porque hoje é nosso aniversário. Não deveria mais dedicar uma palavra sequer a você, mas aniversário é uma data especial. Hoje faz sete anos que fomos. Nem sei se chegamos a ser alguma coisa de verdade, mas hoje faz sete anos que nós acontecemos um para o outro. E não venha esfregar na minha cara que meu amor sempre foi unilateral. Eu não estou falando de amor ainda. Reservei o terceiro parágrafo deste texto para falar dele. Agora eu estou falando de acontecimento. E você sabe que, no começo de tudo, eu aconteci mais em você do que você em mim. Era você que se esticava todo, por trás daquele seu instrumento musical imponente, para ficar à espreita dos meus movimentos. Era carnaval e na forma que vivíamos a folia de momo àquela época, não tínhamos máscaras. Você passou três dias olhando bem fundo, dentro de mim.
Depois da quarta de cinzas, começou o inferno. Eu não tinha como saber, mas alguém começou a escrever nossa história com sangue. E não era seu. Só percebi quando senti a pele rasgada demais e a fraqueza me alcançou, depois de tanto eu me doar sem me dar conta, sem prestar conta, sem emitir boletos bancários e cobranças. Você nunca pagou as prestações do amor que você mesmo encomendou na loja. Ele veio com defeito. Coube a mim pagar a dívida alta pelo produto sem serventia: nosso amor, que mais parecia estaca cravada no meu peito, mas eu me recusava a arrancar, porque se eu a puxasse ia sangrar muito mais.
Eu sempre jurei que ia te amar pra sempre, não importava o que acontecesse, mas quando se tem 14 anos a gente jura amor eterno todo mês. Eu jurei amor eterno todos os dias, por anos a fio, para a mesma pessoa. Você. Não me lembro o dia que deixei de jurar, mas agora percebo que cumpri minha promessa. Você foi o único a quem eu jurei amor eterno. Não posso dizer que te ame hoje em dia, mas depois de você, não teve mais ninguém. Seu lugar em mim ainda é seu, por falta de substituto. Parabéns, você é proprietário de um peito vazio, praticamente uma casa abandonada, onde ninguém ousa passar nem perto da porta. Eu mesma me recuso a me olhar por dentro, para não ter de encarar os nossos fantasmas. Sempre morri de medo de assombração. Nosso amor morto é um espírito que esqueceu de encontrar a luz.
Tenho profundo respeito pela alma atormentada do nosso amor, por isso ainda lembro datas, cheiros, frases e nuances. Você pode ter sido um grande patife, mas o nosso amor, abandonado por você, era bonito e nobre. É pra ele a minha homenagem hoje, dia em que fazemos sete anos. Sete anos de nada.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Diferença rimada


Ele só dorme
Quando eu me levanto
Vinho que sorve
É tinto
O meu é branco
Mas eu não minto
Dele eu gosto tanto
Que até voltei a rimar

A gente é diferente
Mas se agrega
Numa fé cega
De quem sabe amar

E se a gente não se encontrasse
O acaso escrevia uma frase
Eu seria sujeito
Ele predicado
Contendo meu verbo 
E todo meu passado
E todos os tempos que estivessem por vir

E nem importa
Se ele pensa em futebol
Enquanto eu quero ver novela
Fechei a porta
Mas ele é farol
Sua luz entrou pela janela

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

La mia ricchezza distanza


Passei a sentir uma dor emocional latejante desde que você se foi. Ela é intensa, mas suportável. Se não o fosse, eu já teria morrido ou algo assim, dada a constância com que ela me ataca. Sempre que me distraio, lá está ela, querendo me fazer em pedaços e quase conseguindo. Mas não é nada. Repito para mim que deve ser só TPM. Só que desde que você saiu do meu campo de visão, tenho tido pelo menos uma TPM por dia. Mas eu ainda sou uma mulher normal, que menstrua uma vez no mês. Acho. Só não sei se sou uma mulher inteira, depois que me arrancaram dos seus braços e separaram a gente.
Eu sabia que depois de tanto te ter por perto, quando você fosse finalmente embora, eu ia ficar mal acostumada e na merda. Só não estava preparada pra ficar tão na merda assim. Você sabe o que fez comigo? Não sabe. Nunca vai saber. Mas você me fez te amar. Você me fez venerar a sua idiotice. Assim, de graça. Chegou de mansinho e pronto, se proliferou. De grão em grão, virou um milharal no meu terreno. E eu nem ligo pro quão ridículo esse trocadilho possa parecer. Só algo assim é capaz de expressar o quanto essa coisa aqui dentro de mim é totalmente ridícula e sem sentido.
Às vezes eu sinto um frio na barriga enlouquecedor, como se a qualquer momento você fosse dobrar a esquina, tocar minha campainha, sorrir pra mim daquele jeito, se hospedar na minha rotina outra vez. O coração quer pular pela boca, mas no fundo ele sabe que você não vai vir tão cedo. E quando vier, talvez nem lembre de mim. Talvez nem lembre da gente. Mas meu coração é burro e insiste em me esmurrar por dentro do peito, num gesto de extrema alegria, toda vez que sua imagem cruza meu pensamento de forma despretensiosa. É o jeito que ele tem de demonstrar que está guardado dentro da minha caixa torácica por uma questão biológica, mas que o dono dele mesmo é você. Tenho um cãozinho amestrado no peito, que só obedece ao adestrador. 
É torturante. Mas em meio a toda essa agonia, não deixo de reconhecer a doçura que invade de vez em quando. Você vale mais que um jatinho particular, uma conta bancária recheada no exterior, um perfume importado, um anel de brilhantes. Minha maior riqueza sentimental. Sonho acima de qualquer consumo. Você é minha ilha particular, terra firme capaz de impedir que eu, embarcação, naufrague no meio do oceano. O que me dói é que eu não tenho bússola.


domingo, 2 de fevereiro de 2014

Desperta a dor


Dá licença, mundo, hoje eu tô querendo sonhar. Amanheci com preguiça da realidade. Você só tem me dado amarguras e aqui dentro da minha cabeça eu encontrei coisas doces. Encontrei ele, doçura personificada. Já pensou se eu e ele... Não? Eu já. Pera, que já te conto.
Depois de muito olhar em volta, admirando aqueles quadros, que pareceram mais bonitos depois de terem tocado a retina dele, eu me poria de pé. Embriagada pelo cheiro característico daquele lugar - que eu sinto como sendo o cheiro dele, só porque já esteve em suas narinas -, eu iria embora. Eu, guturalmente apaixonada pela minha terra, família e amigos, cultuadora do apego, apego, apego, apego, apego e das raízes fincadas, desapegaria. Desenraizaria. E me fincaria em qualquer terra, daqui ou de marte, desde que ele também estivesse plantado por lá. De vez em quando eu ia chorar de saudade de casa, mas ele me consolaria fazendo amor e tudo ficaria bem.
As tardes de sábado seriam menos enfadonhas, porque depois de algumas horas no quarto dele, namorando, cantando e compondo, a gente iria ao cinema, a um bar, ou aos dois. E a gente falaria de vida e de música e faria mil planos, porque teríamos a vida inteira - com música - pela frente juntos. No bar, com ele sentado ao meu lado, eu pediria ao garçom a cerveja mais gelada pro homem da minha vida (homem-da-minha-vida soa muito melhor que homem-dos-meus-sonhos, título que ele tem atualmente). E nada em volta importaria, porque eu estaria sentada ao lado dele, enchendo de cheiros o seu cangote, inalando o seu perfume, misturado com suor e cerveja: melhor aroma do mundo. Como uma boa filha arretada de Seu Pernambuco, eu ia esquentar ele todo por dentro.
Lá pras tantas a gente sairia dali para o meu apartamento e bêbado, ele ia querer deitar do jeito que tinha chegado. Mas eu ia protestar dizendo que ele tava sujo e eu mesma lhe daria um banho. Faria cafuné na cabeça dele, enrolando meus dedos nos seus cachos, em meio à espuma do shampoo. E eu, que sempre achei lindo homens de cabelo escorridinho, cara lisa e peito também, me pegaria venerando tanto aqueles cachos, pelos e barba, que acharia a vida uma ironia completa.
Do chuveiro, a gente se rebocaria mutuamente pra minha cama. Depois do banho, ele estaria desperto e ia me querer. E como eu quero ele sempre, a todos os instantes, a gente se amaria. Enquanto os raios de sol invadiriam meu quarto, anunciando o amanhecer, ele invadiria meu interior, anunciando o amor. Aí quando o cansaço enfim chegasse, a gente ia dormir abraçado e as batidas do coração dele seriam minha canção de ninar.
Passados um ano ou dois dessa rotina doce, a gente estaria junto duma vez. E nem ia precisar de casamento na igreja ou festa, como eu sempre sonhei, porque ele é o meu sonho maior. Eu não o vejo engomadinho, esperando por mim num altar. Não combina com o jeito despojado que ele tem. E eu não mudaria absolutamente nada nele. 
Mais alguns anos, viriam nossos filhos de cabelos pretos feito ébano. Um menino, uma menina. A gente tatuaria os nomes deles. Ele, com a minha letra e eu, com a dele. Porque eles seriam os melhores presentes que daríamos um ao outro, numa vida toda. 

- Já deu a minha hora de acordar? Não, espera... Só mais cinco minutinhos.



Fuga ao tema



Parei pra reler alguns textos antigos. Todos tão cheios de sentimentos, e tantos viraram piada com o tempo. Isso porque as emoções se perderam nas tantas esquinas da vida. Coisas que perdem sentido, ou simplesmente deixam de ser. Mas o que vale mesmo é que todas foram, um dia. Mesmo que já não sejam. E enquanto foram, todas estavam repletas de muito amor.
Descobri que sempre foi o amor a minha pauta. Meu tema central. Minhas arestas também. Talvez tenha sido ele o causador da discórdia entre mim e a minha profissão. É que não sei escrever sobre qualquer coisa que seja não-amor. Se eu falo sobre como me doeu a perda da minha mãe, é amor óbvio, latejado e escancarado. Mas se eu falo do vento que sopra sem saber para onde está indo, é amor nas entrelinhas. Não me pergunte como, mas é assim que é: sempre amor. Uma regra implícita, que implicitamente eu me recuso a burlar. Desde menina acho uma escória se levar zero numa redação por fuga ao tema. Por isso não fujo, ainda que tema.
Acho graça nessa coisa, de só saber escrever sobre amor. Você pode revirar esse blog, revirar minha vida, meus cadernos, meus diários da adolescência... Tá cheio de amor neles. Em cada frase. Em cada letrinha datilografada ou escrita do meu próprio punho, com minha caligrafia disforme. Até quando eu falo de ódio, estou amando primeiro.
É engraçado que eu, tão analfabeta de amor, tão desamada por repetidas vezes, tão colecionadora de inexperiências e "quases", consiga falar dessa coisa como alguém que realmente tem algo a dizer. Como alguém que entendesse disso. Tenho tantos conselhos escondidos nas mangas, os dou tantas vezes, mas nunca os usei comigo. Falta de chance, ou de sorte.
A questão toda é que eu consegui, daqui deste lugar onde sempre me encontro (pode-se dizer que seja o topo da minha solidão), ter amado tão pouco, mas ter amado demais.

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Amor de bus


Corri pra pegar o ônibus e quase que o perdia. Estava lotado. Assim que passei pela catraca, o avistei. Não pude mais tirar os olhos dele. Dei graças a Deus quando fui me locomovendo pelo corredor e o moço que estava sentado ao lado dele acenou para mim, me dando o seu lugar, porque desceria na próxima parada. Destino, quem sabe.
Ele estava com o cabelo meio bagunçado, uma camisa social clara, por fora da calça jeans surrada e com as mangas dobradas na altura dos cotovelos. Era um tipo engomadinho quase despojado, ou um tipo largado tentando ser arrumadinho. Não sei ao certo. Mas era encantador. Ah, se era. Trazia o cheiro do perfume masculino que eu mais gostava, misturado ao cheiro da própria pele, formando um aroma especial. Muito provavelmente eu não estava perto dele o bastante para fazer uma constatação desse tipo, minha imaginação aguçada deve ter me ajudado.
E eis que o fato encontrou sua consumação quando reparei que dos seus fones de ouvido vazava a voz de Elis Regina. Só poderia mesmo ser um sinal: ele gostava da minha cantora preferida. Encontrei o homem da minha vida num dia qualquer, dentro de um ônibus que eu costumava pegar todos os dias, nos mesmos bat-local e hora.
Terminamos nos casando. Tendo três filhos e um cachorro. Passando todas as tardes de sábado do resto das nossas vidas no parque. Tocando violão e cantando músicas de Elis aos domingos. Compondo dezenas de rocks rurais. Plantando nossos amigos, discos e livros e nada mais. Não necessariamente numa casa no campo.
Mas nossa vida inteira juntos não durou mais que cinco minutos. Ele levantou, puxou a cordinha, pediu parada e desceu no ponto seguinte. Pedi o divórcio no ato. Nunca mais vi meu ex-marido. Nem sei como se chamava.

domingo, 26 de janeiro de 2014

Ébano



Oi. Tô te ligando só pra dizer que tem cerveja aqui na minha geladeira e eu sempre achei deprimente demais beber sozinha. Olha, eu sei que já deve estar tarde no seu relógio, porque o meu já está marcando uma e trinta e sete, e é da manhã. Mas eu queria que você soubesse que ainda pode ser cedo na vida, pra gente, é só você querer. E eu tenho latas de cerveja na geladeira. Se eu tô bêbada? Só se for da sua ausência. O único porre que tenho tomado é do lugar vazio que você deixou, menino. Eu brindei o amor e você foi embora antes que eu sorvesse todo o líquido da taça. Eu não te bebi até o fim, você não tinha o direito de me deixar ainda.
Ei, por favor, volta. Eu tenho cerveja da marca que você gosta, e posso comprar cigarros pra você na banca da esquina também. Não tenho problema em voltar a ser fumante passiva outra vez. Que se dane minha bronquite alérgica. Prefiro ter pulmões fodidos do que um coração na merda. Tossindo eu não posso cantar? É. Mas eu não quero cantar sem você aqui, porque sem instrumento me acompanhando eu perco tom, e eu não sei tocar nada. Exceto você. Em você eu sei tocar como ninguém, você sabe. Sei de cor cada acorde sem vergonha do seu corpo. A gente devia esquecer essa nossa pausa, inventar um arranjo novo, quem sabe.
Não, eu não tô chorando. Tô chorando. Tô desesperada, porque sinto a sua falta. Não me venha dizer que eu sou uma pessoa maravilhosa, você não está aqui para ver como eu fico um saco sem você por perto. Nem eu posso comigo. Não é que eu não goste de mim. Eu me gosto, sim, mas gosto mais da gente. Talvez a única coisa que eu goste em mim seja a cor dos meus cabelos. Você já reparou como é difícil encontrar gente de cabelo - não castanho escuro - mas preto feito ébano, sem ser pintado? E a cor do seu cabelo é igual à cor do meu. A gente pode ter filhos de cabelo preto, e eu sempre tive compulsão por filhos morenos. Um bom motivo pra você voltar. Já tentei dormir, não consigo. Você já me causou insônia antes, só que foi de felicidade. Agora eu já não sei.
Olha, que coincidência! Tenho cerveja na geladeira! E tenho cerveja preta também. Preta que nem o meu violão que tá ali largado, sem você pra me ensinar a tocar nele. Preta feito a noite que é mais longa na minha cama vazia. Preta que nem o meu cabelo e o seu, e os nossos olhos também. E os olhos e cabeleiras dos nossos filhos, que vamos compor com músicas, se você voltar. Diz que volta. Tenho cerveja aqui, pra todos os gostos. E tenho eu, pra todos os gostos e quereres que forem seus. Se você quiser o mundo, eu boto ele todo dentro desse apartamento agora. Você não precisa trazer nada, além de carinho e você, pro nosso edredom.


quinta-feira, 23 de janeiro de 2014


Sete anos depois eu finalmente percebi que talvez nunca tenha sido amor, de fato. Das coisas que me lembro sobre o que eu sentia por você, a certeza que me bate mais forte é de que eu rezava. Todos os dias. Religiosamente e tendo o coração o mais contrito possível. Eis o lado bom do meu desfortúnio: me levou a Deus. Não porque eu precisava pedir que Deus te trouxesse para mim, mas porque eu precisava dizer a Ele o quanto eu te amava e o quanto eu te queria feliz. Nas minhas orações, nunca era eu. Era você primeiro.
A partir daí, todo aquele meu altruísmo tem explicação. Amor que se doa até a dor, até depois da dor. E cada vez que você me humilhava, eu resistia. I Coríntios 13 era o meu lema. "Crer. Suportar. Esperar". Não se tratava mais do amor que eu sentia, mas da minha fé cega, que me fazia acreditar que nada importava, um dia, seríamos um. Eu tinha fé nisso. Eu tinha fé que Deus faria isso, que isso era a vontade d'Ele. Era uma fé cega num Deus que - graças a Deus - decidiu que eu ficaria melhor sem você. E estou melhor. Até hoje.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Sonho



- Sem sono?
- É. Não consigo dormir. Acho que é medo.
- Medo de que, exatamente?

Foi quando comecei a te falar do meu medo de dormir, e acordar de nós dois. De fechar os olhos e abrir outros olhos e não mais te ver. Dormir naquele instante e de repente ter meu velho travesseiro de pena de ganso sob a cabeça. Não leve a mal, eu amo meu travesseiro de pena de ganso, mas amo mais o seu peito sendo meu travesseiro. Porque ele é seu. Porque ele faz com que sua respiração e seus batimentos cardíacos sejam minha canção de ninar. Nada poderia me fazer dormir melhor e é justo por isso que eu não consigo pregar o olho. Porque morro de medo de ouvir meu despertador me chamando pra vida real.

- Morro de medo de acordar da gente quando eu for dormir.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Chá



Tem dias que eu acordo me doendo. Hoje foi um desses dias. Minha avó me ofereceu um chá de camomila, dizendo que apesar de não resolver, podia me ajudar com a minha dor de amor. E eu nem tinha dito nada sobre o que estava sentindo, mas devia estar escrito na minha testa, já que ela percebeu. Ela me serviu naquela louça fina da família, que eu herdaria um dia e onde pretendia servir bolo e chocolate quente aos nossos filhos, quando o inverno castigasse demais na sua cidade.
Naquele momento eu continuei sem dizer nada à minha avó, nem sobre o que estava sentindo, nem sobre coisa nenhuma. Fiquei ali apática, assistindo o chá esfriar, vendo a fumaça sumir na atmosfera da cozinha, o vapor virar gotículas, suando a borda da caneca. Fiquei vendo o açúcar se depositar no fundo da xícara, feito eu, amargando no fundo do meu poço. Fiquei sentada na cabeceira da mesa, pagando a minha conta.
É difícil lidar com uma dor que lateja no peito e irradia para os cotovelos, passeia pelo corpo todo, e muda de lugar tão rápido, que não te deixa perceber ao certo onde é que dói. Fazia frio em pleno verão nordestino. Um frio que vinha de mim. Eu só fazia piscar automaticamente os olhos, à medida que poças d'água se formavam neles. Eu batia minhas pálpebras uma na outra, pra escoar a água da minha chuva interna, se empoçando nas minhas calhas. Mas nem o processo de chover de dentro pra fora poderia me lavar dessa sujeira toda. Amor parado apodrece.
Vovó me diagnosticou com infecção passional. Disse que quando era moça, também teve seus momentos ruins. Pensei em explicar para ela o tamanho da minha desfortuna, quando sua doçura desgraçada atingiu o paladar da minha alma. Mas ela não entenderia. Ninguém que não te visse com os meus olhos entenderia. Ninguém além da gente entende, quando amar dói assim. Se eu tentasse falar, vovó ia me dizer que passa e eu não ia acreditar, embora já tenha passado outras vezes. 
Por fim, enxuguei as lágrimas com as costas das mãos e disse à minha avó que tudo que eu mais queria era só ser uma pessoa normal, dessas que amam, são amadas, comem, respiram e vivem. Ela me deu um beijo amoroso na testa, com cara de gente velha que conhece todas as esquinas da juventude, e estava me vendo sem nenhum glamour, com o salto agulha preso num bueiro entre a Tomázia e a Vigário Tenório. Burra, presa às minhas pedras. "Suas asas não são só enfeite. É hora de aprender a voar. Vá para o sul deste encanto, ou para o sudeste que melhor lhe couber", foi o que ela falou. Tenho dúvidas se nessa vida ainda descubro o que ela quis dizer. Antes do último gole de chá, percebi que nunca soube possuir asas.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Meias


Era você sorrindo, dizendo com graça o quanto somos parecidos. Era eu morrendo de medo que isso acabasse com a gente. Eu sempre toda insegura, assistindo você me amar, temendo que você não suportasse conviver comigo. Porque você sempre disse que eu era você de saias e maquiagem. E sempre ouvi dizer que ninguém aguenta os próprios defeitos, em outra pessoa. 
Mas tem também a parte que nossa história fez da minha vida o avesso do testamento "Amai ao próximo como a ti mesmo". Nunca fui muito boa de me amar, exceto quando comecei a amar você. Porque quando você chegou, eu não tive escolha senão te amar. É impossível não amar uma pessoa como você, basta que haja a sua presença no mundo. Sua existência é bálsamo aos corações sensíveis. E meu coração é muito sensível, apesar da falta de amor próprio. Deixei de me amar justamente por sensibilidade em excesso: dei todo o amor que tinha no peito,  não sobrou nem para mim. Desobedeci o mandamento. Amando, pequei. Mas quando você veio o amor voltou. E quando te amei, reaprendi a me amar. Porque amei em mim nossas manias, que se fizeram nossas, pois eram minhas e iguais às suas. Passei a amar a mim mesma como ao próximo. Amei a mim mesma como amo a você. Amei o você que há em mim. Obrigada.
Só que hoje me peguei com medo. Porque segundo as leis da física, os opostos é que se atraem. Mas você me disse que juntos, somos opostos ao mundo e não um ao outro. Somos uma bolinha de meias: um par junto, no avesso. No fundo, acho que você tem razão.