Marcadores

domingo, 26 de janeiro de 2014

Ébano



Oi. Tô te ligando só pra dizer que tem cerveja aqui na minha geladeira e eu sempre achei deprimente demais beber sozinha. Olha, eu sei que já deve estar tarde no seu relógio, porque o meu já está marcando uma e trinta e sete, e é da manhã. Mas eu queria que você soubesse que ainda pode ser cedo na vida, pra gente, é só você querer. E eu tenho latas de cerveja na geladeira. Se eu tô bêbada? Só se for da sua ausência. O único porre que tenho tomado é do lugar vazio que você deixou, menino. Eu brindei o amor e você foi embora antes que eu sorvesse todo o líquido da taça. Eu não te bebi até o fim, você não tinha o direito de me deixar ainda.
Ei, por favor, volta. Eu tenho cerveja da marca que você gosta, e posso comprar cigarros pra você na banca da esquina também. Não tenho problema em voltar a ser fumante passiva outra vez. Que se dane minha bronquite alérgica. Prefiro ter pulmões fodidos do que um coração na merda. Tossindo eu não posso cantar? É. Mas eu não quero cantar sem você aqui, porque sem instrumento me acompanhando eu perco tom, e eu não sei tocar nada. Exceto você. Em você eu sei tocar como ninguém, você sabe. Sei de cor cada acorde sem vergonha do seu corpo. A gente devia esquecer essa nossa pausa, inventar um arranjo novo, quem sabe.
Não, eu não tô chorando. Tô chorando. Tô desesperada, porque sinto a sua falta. Não me venha dizer que eu sou uma pessoa maravilhosa, você não está aqui para ver como eu fico um saco sem você por perto. Nem eu posso comigo. Não é que eu não goste de mim. Eu me gosto, sim, mas gosto mais da gente. Talvez a única coisa que eu goste em mim seja a cor dos meus cabelos. Você já reparou como é difícil encontrar gente de cabelo - não castanho escuro - mas preto feito ébano, sem ser pintado? E a cor do seu cabelo é igual à cor do meu. A gente pode ter filhos de cabelo preto, e eu sempre tive compulsão por filhos morenos. Um bom motivo pra você voltar. Já tentei dormir, não consigo. Você já me causou insônia antes, só que foi de felicidade. Agora eu já não sei.
Olha, que coincidência! Tenho cerveja na geladeira! E tenho cerveja preta também. Preta que nem o meu violão que tá ali largado, sem você pra me ensinar a tocar nele. Preta feito a noite que é mais longa na minha cama vazia. Preta que nem o meu cabelo e o seu, e os nossos olhos também. E os olhos e cabeleiras dos nossos filhos, que vamos compor com músicas, se você voltar. Diz que volta. Tenho cerveja aqui, pra todos os gostos. E tenho eu, pra todos os gostos e quereres que forem seus. Se você quiser o mundo, eu boto ele todo dentro desse apartamento agora. Você não precisa trazer nada, além de carinho e você, pro nosso edredom.


Nenhum comentário:

Postar um comentário