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quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Chá



Tem dias que eu acordo me doendo. Hoje foi um desses dias. Minha avó me ofereceu um chá de camomila, dizendo que apesar de não resolver, podia me ajudar com a minha dor de amor. E eu nem tinha dito nada sobre o que estava sentindo, mas devia estar escrito na minha testa, já que ela percebeu. Ela me serviu naquela louça fina da família, que eu herdaria um dia e onde pretendia servir bolo e chocolate quente aos nossos filhos, quando o inverno castigasse demais na sua cidade.
Naquele momento eu continuei sem dizer nada à minha avó, nem sobre o que estava sentindo, nem sobre coisa nenhuma. Fiquei ali apática, assistindo o chá esfriar, vendo a fumaça sumir na atmosfera da cozinha, o vapor virar gotículas, suando a borda da caneca. Fiquei vendo o açúcar se depositar no fundo da xícara, feito eu, amargando no fundo do meu poço. Fiquei sentada na cabeceira da mesa, pagando a minha conta.
É difícil lidar com uma dor que lateja no peito e irradia para os cotovelos, passeia pelo corpo todo, e muda de lugar tão rápido, que não te deixa perceber ao certo onde é que dói. Fazia frio em pleno verão nordestino. Um frio que vinha de mim. Eu só fazia piscar automaticamente os olhos, à medida que poças d'água se formavam neles. Eu batia minhas pálpebras uma na outra, pra escoar a água da minha chuva interna, se empoçando nas minhas calhas. Mas nem o processo de chover de dentro pra fora poderia me lavar dessa sujeira toda. Amor parado apodrece.
Vovó me diagnosticou com infecção passional. Disse que quando era moça, também teve seus momentos ruins. Pensei em explicar para ela o tamanho da minha desfortuna, quando sua doçura desgraçada atingiu o paladar da minha alma. Mas ela não entenderia. Ninguém que não te visse com os meus olhos entenderia. Ninguém além da gente entende, quando amar dói assim. Se eu tentasse falar, vovó ia me dizer que passa e eu não ia acreditar, embora já tenha passado outras vezes. 
Por fim, enxuguei as lágrimas com as costas das mãos e disse à minha avó que tudo que eu mais queria era só ser uma pessoa normal, dessas que amam, são amadas, comem, respiram e vivem. Ela me deu um beijo amoroso na testa, com cara de gente velha que conhece todas as esquinas da juventude, e estava me vendo sem nenhum glamour, com o salto agulha preso num bueiro entre a Tomázia e a Vigário Tenório. Burra, presa às minhas pedras. "Suas asas não são só enfeite. É hora de aprender a voar. Vá para o sul deste encanto, ou para o sudeste que melhor lhe couber", foi o que ela falou. Tenho dúvidas se nessa vida ainda descubro o que ela quis dizer. Antes do último gole de chá, percebi que nunca soube possuir asas.

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