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sábado, 27 de junho de 2015

Vecchio


Não tenho escrito nada de muito valor desde que nosso laço afrouxou. Ele que esteve tão firme, com fitas brilhantes, agora está quase que desatado por completo. Uma pena. Em consequência disso, me falta inspiração. Mas quero te dizer que fui feliz. Nossa relação cintilava. Nos entendíamos como poucos, sendo poucos, dentre muitos. E os dias em que você não ligava se arrastavam pela passarela do tempo. Às vezes, minha primeira frase pela manhã, ao falar com Deus, era "que ele me ligue hoje. Amém!". Nem sempre o amém se fez. Mas quando se fez, eu fui muito feliz. Eram minutos vários, alguns que até se faziam hora, e eu me sentia bem. Toda aquela euforia doce que eu já conhecia, agora tomava uma forma inédita: conseguia, em meio ao descompasso do meu coração, ser serena.
Tem dias, como hoje, que a falta de você lateja. Às vezes penso em telefonar, perguntar como foi o dia, como têm sido os dias longe de mim... Mas tenho medo da resposta. Coragem nunca foi o meu forte. Nem frieza. Aí fico aqui no meu canto, curtindo o que me resta: a memória de um calor que não mais me aquece. Sabe, velho, naquela época eu poderia jurar que... Mentira. Eu não jurava. Duvidava até a última gota. Talvez por isso mesmo hoje estejamos como estamos. Você aí. Eu aqui. E vale ressaltar que entre "aí" e "aqui" parece haver um largo abismo. Safo mesmo é Frejat, que sabe ler sinais do corpo em conversas demoradas. Eu, analfabeta sentimental, não soube. Ou soube e fingi não saber porque, pra variar, tive medo.
Essa semana eu estive pensando em como tudo teria sido diferente se você tivesse falado o que eu queria ouvir assim, com todas as letras. Pensei em como nosso destino seria outro se, ao invés de esperar que minha autoestima limitada juntasse lé com cré, você tivesse ido direto ao ponto, como tantos outros fazem. Mas talvez o meu medo tivesse me segurado da mesma forma, e depois de ir direto ao ponto, você voltasse com as mãos vazias de mim e eu pegasse o caminho oposto com as mãos vazias de você, como sempre é. E aí você iria parar na minha galeria dos outros, que tocaram a campainha e deram com a cara na minha porta. Eu e minha incapacidade de doação afetiva teríamos transformado você em mais um que não foi convidado para festa. Só que não seria verdade. Na real, você deveria ter passe livre. E talvez eu só esteja dizendo isso, da sua entrada liberada, porque sei que você não vem mais. Tenho um tesão louco por impossibilidades.
No fundo, no fundo... Não sei se a nossa amizade era de fato benéfica pra mim. Sempre, em alguns trechos do caminho, eu terminava alimentando uma ponta de ilusão. Acho que era ilusão. Hoje, olhando aquilo que a gente tinha, não dizer o que era realidade e o que era fruto da minha imaginação fértil. Para mais, ou para menos. Sim, porque eu posso ter criado em alguns momentos a ilusão de que você me amava. Mas, pelo medo de sempre, eu posso também ter justamente me iludido pelo contrário. Pelo sim ou pelo não, é bom que eu não te tenha com justificativas ambíguas. As duas possibilidades seriam dolorosas: ter desperdiçado - por pura cegueira - o amor que você tinha para mim; ou ter te perdido justamente porque nunca tive, e porque você nunca me amou. O meio-termo me conforta mais. Ficar pensando nessa história e nos seus "ses" desvia um pouco minha atenção do final indesejado. Ou inevitável. Por via das dúvidas, foi a maldade do tempo que quis que você estivesse aí e eu aqui. Só porque "aí" e "aqui" nunca serão o mesmo tempo, nem o mesmo lugar. Nem o mesmo querer. Nem o mesmo nada. "Aqui" e "aí" são ridícula, imutável e cruelmente opostos. Água e óleo.
Mas sabe que ainda acho que seria bom se você viesse, velho? Nem que fosse para, ao se tornar possível e ao alcance, me fazer deixar de te querer.



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