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domingo, 10 de outubro de 2010

Posteridade


Ela estava convencida do quão imensa é a fragilidade da vida. Ela veio sendo convencida disso dia após dia, depois da grande perda.
Sempre que tomava conhecimento de alguém que se ia, era como reviver a própria dor, diante da partida daquela que lhe havia deixado. Temporariamente, de acordo com suas crenças. Contra vontade, comprovadamente. Mas ela lhe havia deixado. E como era difícil a separação!
Mas um dia, ela também haveria de ir. Partir pra outra vida. Reencontros, sim! Mas como ela fora hoje deixada pra trás, também deixaria alguém para trás quando partisse. A visão de quem fica, ela já tinha: dor. E quem parte, sente o mesmo?
Enquanto se via imersa pelos "ses" e suas possibilidades, num outro ângulo de seu pensamento-turbilhão os questionamentos eram outros. A vida era frágil, ponto. Num (imprevisível) dia, ela não mais estaria aqui. Mas enquanto ainda estiver quer permitir-se, desfrutar do que lhe for (ou não?) permitido. Nada descomedido ou imprudente, aproveitamentos desprovidos de maldade, que lhe rendessem bons risos e histórias a contar. Mas queria um grande feito, ao menos um. Mesmo que não fosse grandioso para todos, mas que deixasse algo registrado para alguém. "Para a posteridade, o que deixar?", ela se perguntava.
E em meio aos tortuosos pensamentos torturantes, ela descobriu que não tinha medo da morte. Sempre pensou que tinha, mas na realidade não era o verbo morrer que lhe assustava. O verbo do medo era esquecer. Temia ser esquecida, varrida das lembranças alheias como poeira indesejável na varanda. O que fazer para não permitir-se ser esquecida, para ser lembrada até depois do que a mente humana permitir? E para a postaridade, o que deixar?

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