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terça-feira, 12 de julho de 2011

Apenas um conto sobre a manhã

E foi assim que ele me salvou a vida. A tempestade já havia passado e eu teimava em ficar trancada no quarto, com medo da dor. Me mantinha imersa na escuridão daquele cômodo de meu ser, por não acreditar que depois de tanto vento, raio e chuva, o sol pudesse aparecer novamente. Meus olhos já tinham se desacostumado com qualquer tipo de luz quando ele chegou, me encandeando. Entrou devagar, mas era como se o próprio sol estivesse me adentrando a alma, tamanha era a luz que emanava dele. O seu sorriso, mesmo quando dado em silêncio, me causava um êxtase tão profundo, que eu chegava a ouvir o tilintar dos sinos angelicais. E ele trazia o céu nos olhos. Era como uma manhã de primavera encarnada, feita gente, e que viera visitar-me em meu vácuo sombrio. Tinha todos os aspectos agradáveis que essas manhãs costumam ter: as cores, o som e o perfume.
Quando nada mais se vê além do breu, demora-se para acostumar-se com a presença da luz. O encantamento que eu estava vivendo me assustava, e por vezes pensei em mandá-lo afastar-se de mim. Cada minuto em que eu hesitava em expulsá-lo era um passo que dava para mais perto dele. Eu bem quis mandá-lo embora. Mas meu querer de tê-lo próximo era maior. O seu rosto era como que uma arte esculpida com esmero pelo mais talentoso de todos os artesãos. Tudo em mim gritava de curiosidade por ele. Minhas mãos queriam provar-lhe o toque, dar-me a certeza de que aquele rapaz dos olhos de céu, que estava diante de mim, era mesmo real. Eu tinha medo que tocá-lo o fizesse sumir, me mostrando que ele era mais uma das ilusões de minha mente cansada e infeliz. Temia que minha imaginação fosse a artesã responsável por criá-lo.
Controlei todos os meus impulsos: parei de caminhar até ele e me contentei somente em olhá-lo. Não o tocaria, para que ele não se desfizesse entre meus dedos. Mas quando comecei a nutrir esse medo de que ele fosse uma miragem, eu já estava perto demais. Perto o bastante para que o nosso toque acontecesse não pelas minhas mãos, mas pelas dele. Depois de me tocar e provar que era real e que existia, ele então mostrou-me uma outra realidade. Passei tanto tempo sem nem espiar pela janela, com medo dos trovões... Mas aquele rapaz arrastou-me para fora dali com traumas, medos e tudo.
E foi então que vi que a bonança que eu duvidava que chegasse, não só tinha chegado, como tinha se estabelecido perfeitamente ali: o lado de fora do meu breu, mas que ainda era dentro de mim. Aquele ambiente perfeito com suas promessas de felicidade também era eu. A minha cura sempre esteve em meu interior, mas eu tinha ficado presa a um só pedacinho de minha alma, justamente o pedaço mais distante, que a luz não alcançava.
Tendo por plano de fundo o céu verdadeiro e o sol que voltara, aqueles olhos celestes ainda me fitavam... E com expectativas. Agora que ele tinha cumprido a sua missão e me mostrado a liberdade, poderia partir. Mas esperava que eu o pedisse para ficar. Como ele não queria ir e eu não queria que ele fosse, ficamos juntos. Tão juntos, que as flores que haviam no meu jardim e no dele se misturaram e se confundiram. Éramos um só: ele uma extensão de mim; eu uma extensão dele. Entreguei a ele meu coração, meu corpo, tudo. Somos agora uma só carne e um só ser.
Minha entrega pode se confundir com gratidão. Afinal, foi ele que me arrancou de dentro do meu próprio porão, onde eu era refém de mim. Mas na verdade foi uma paixão enorme e ardente que me tomou, e dia após dia foi vivendo sua metamorfose e se tornando o amor mais forte que já vi.
Aquela manhã primaveril feita homem me ensinou que toda tempestade passa, por mais forte que seja. E que a vida não só continua, como se renova e faz uso da água da chuva para regar nosso jardim. Depois de sofrer, nosso solo costuma estar mais nutrido e nossa alma tende a ficar mais florida.
Assim sendo, agora somos dois em um, ou vice-versa. E vamos prosseguir assim até que chova de novo. E além.

2 comentários:

  1. Quanto mais leio seus textos, mais vontade de escrever o prefácio do seu primeiro livro eu tenho. Nat, você é uma poetisa, uma escritora, na verdade você tem o dom da palavra. É, tá quase a versão feminina de Caio Fernando Abreu, consegue falar o que eu penso. Eu amo os seus textos, eu amo você. Beijo, Dani Monteiro.

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  2. Lindo! Quero participar do prefácio também, posso? kkkkkk Beijos. Ah as palavras... Tati Teles

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